Empresa, que perdeu recentemente 8 mil km de ferrovias na Argentina, também é acusada de má conservação da malha ferroviária; concessionária, que tem entre sócios BNDES, Previ e Funcef, diz que se acordos não são cumpridos há ressarcimento
A perda de 8 mil km de ferrovia na Argentina no início do
mês é apenas um dos problemas que atormentam o dia a dia da América
Latina Logística (ALL), a maior concessionária da América do Sul. Por
aqui, a empresa, que até bem pouco tempo vendia a imagem de que mantinha
uma saúde financeira invejável, tem sido alvo de uma série de
reclamações de clientes por descumprimento de contratos e da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por má conservação dos trilhos
- ela administra 13 mil km de estradas de ferro nas Regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste.
Nos últimos meses, quatro processos foram abertos no órgão regulador
contra a ALL - empresa que tem como sócios o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Previ (fundo de pensão dos
funcionários do Banco do Brasil) e Funcef (dos funcionários da Caixa),
além de GP Investimentos. A agência reguladora não quis divulgar o nome
dos clientes que estão questionando a concessionária, mas fontes
consultadas pelo Estado contaram que a lista inclui Agrovia, Rumo Logística, Copersucar e Minermix Mineração.
As companhias, que preferiram não se manifestar sobre o assunto,
assinaram contratos de longo prazo (em média de 25 anos) com a ALL para
transportar seus produtos pelos trilhos. Na maioria dos acordos, as
empresas investiam na compra de vagões, na recuperação de trechos da
malha ferroviária e na construção de terminais de transbordo. Tudo
ficava sob a administração da ALL, que dava aos clientes desconto no
transporte da carga pela estrada de ferro. Era uma parceria perfeita. De
um lado, as empresas reduziam a dependência do transporte rodoviário e
do outro a concessionária aumentava a carteira de clientes.
A Agrovia, por exemplo, comprou 669 vagões, mas até agora apenas 16%
do volume previsto no contrato está sendo cumprido pela ALL. No caso da
Rumo, a parceria prevê investimento de R$ 1,2 bilhão na duplicação da
malha, construção de pátios e terminais e compra de vagões e
locomotivas. O objetivo é permitir que 80% do açúcar produzido pela
Cosan (dona da Rumo) seja transportado pelos trilhos até 2015. Mas,
segundo fonte ligada à companhia, apesar dos investimentos, apenas cerca
de 30% do contrato estava sendo honrado pela ALL.
A principal reclamação é que, com a supersafra de grãos, a ALL
estaria desviando vagões e locomotivas dos clientes para atender a
outras demandas no Centro-Oeste, cuja rentabilidade seria maior. A
vantagem é tamanha que a ALL prefere pagar multa (ou compensações) a
honrar o contrato assinado, diz um executivo do setor.
Compensações. Em nota, a ALL afirmou que tem cumprido todas as regras
contratuais e que a prestação de serviço é regida por cláusulas
compensatórias. Se o volume previsto não for honrado, a empresa faz um
ressarcimento ao cliente.
Além disso, a concessionária destaca que tem feito os investimentos
acordados. Mas, questões externas, como demora na emissão da licença
ambiental para trechos de duplicação, atraso na expansão da estrutura
portuária por parte dos clientes e entraves no compartilhamento de
trechos com outras ferrovias, dificultaram a execução de uma parcela do
volume contratado. "Tais situações, pontuais e excepcionais, têm sido
objeto de contrapartidas compensatórias contratuais por parte da
companhia."
O diretor da ANTT, Carlos Fernando do Nascimento, afirma que a
expectativa é resolver o conflito até o fim do mês. "Já solicitamos aos
clientes que nos enviem mais informações sobre os prejuízos que o
descumprimento dos contratos tem causado. A partir daí, vamos verificar
que medidas adotar." Para ele, é importante que os clientes colaborem
com o trabalho da agência e denunciem erros, abusos e perdas causadas
pelas concessionárias.
Por ser a maior empresa ferroviária do País, com a administração de
quatro concessões, a ALL é também a campeã de multas na ANTT. São R$ 71
milhões em punições por vários tipos de irregularidades, afirma
Nascimento. Mas a maioria está na Justiça, já que a empresa não concorda
com a decisão da agência reguladora. "Até hoje ela só pagou R$ 1 milhão
em multas. O restante está judicializado." A ANTT já determinou
cronogramas para que a empresa recupere uma série de trechos em situação
precária - ou sem condições - de tráfego. Em algumas áreas, os
dormentes - madeiras que sustentam os trilhos - estão podres.
A concessionária destaca, entretanto, que desde o início da
concessão, investiu mais de R$ 7 bilhões em melhorias na malha
ferroviária, em vagões e locomotivas e registrou um crescimento de
volume médio de mais de 10% ao ano desde 1997. "Ou seja, aumentamos em
mais de seis vezes o volume transportado em 16 anos de operações. Em
2012, movimentamos cerca de 60 milhões de toneladas de carga", afirmou a
ALL.
Privatização. A história da companhia começou com as privatizações
das malhas administradas pela Rede Ferroviária. Em 1997, um grupo
liderado pelo GP Investimentos arrematou a malha sul, de 7.304 km nos
Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Depois
de colocar ordem na casa e tornar a operação lucrativa, os sócios
decidiram fazer o IPO (oferta pública de ações) da empresa, em 2004.
Nessa época, eles já haviam comprado a Delara, cujo dono se tornou um
dos principais sócios da ALL.
Dois anos mais tarde, compraram uma das principais concorrentes, a
Brasil Ferrovias, que vivia uma grave crise financeira. A aquisição
permitiu forte crescimento da empresa, mas também elevou o endividamento
da companhia para algo em torno de R$ 3,8 bilhões (dívida líquida em
março de 2013). No ano passado, a Cosan anunciou a compra de 5,67% da
ALL por quase R$ 900 milhões. A proposta aguarda aprovação no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas a aquisição tem sofrido
resistência por parte dos sócios do grupo, especialmente dos estatais.
17 de junho de 2013 | 2h 06
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