ALEMG 21/03/2014 18h55
População defende retomada de ferrovia desativada para o transporte de passageiros.
Uma resolução federal determinou que a Ferrovia
Centro-Atlântica (FCA) devolva ao poder público trechos que darão lugar a
novos traçados. O que fazer com as linhas desativadas? Utilizá-las para
transporte de passageiros e de cargas e como atrativo turístico, até
mesmo simultaneamente, de acordo com participantes da audiência pública
que a Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou em Viçosa (Zona da Mata), ao
longo desta sexta-feira (21/3/14).
A Resolução 4.131, de 2013, da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), autoriza a extinção de cerca de 1.760 km de linhas
ferroviárias na área de concessão da FCA. Na prática, a norma autoriza a
empresa a devolver ao poder público trechos ferroviários integrantes do
subsistema ferroviário federal que, de acordo com o Programa de
Investimentos em Logística, darão lugar a novos traçados.
A reunião, que aconteceu na Universidade Federal de Viçosa (UFV),
reuniu representantes de ONGs e prefeitos, e também teve o propósito de
esclarecer o impacto dessa norma no patrimônio histórico ferroviário de
Viçosa e região. Ao final do encontro foi elaborada a Carta de Viçosa,
que repudia a decisão da ANTT. No final da tarde, a comissão da ALMG
visitou a "Estaçãozinha da UFV", no campus da universidade, para
conhecer os projetos de revitalização dessa estação ferroviária.
Presidente do Núcleo de Preservação Ferroviária de Viçosa, Aguinaldo
Pacheco lembrou que a UFV talvez seja a única universidade do País com
uma estrada de ferro cortando o seu campus. “Ela é visceralmente ligada à
história da cidade e da universidade. Desde 1969, um grupo de
arquitetos pensou aproveitar essa estrada para transporte por meio de um
VLT”, observou Pacheco.
Outra hipótese considerada por Pacheco é a criação de um circuito
turístico, o Caminho das Serras, que levaria passageiros de trem pelas
serras dos municípios de Teixeiras, Viçosa, Cajuri, Coimbra e São
Geraldo. Além de atrativo turístico para a região, o trem de ferro
também poderia ser mais um meio de acesso à UFV.
Aguinaldo Pacheco, que também representa a ONG Movimento Nacional
Amigos do Trem, destacou ainda um projeto de nova ferrovia de carga
passando por Viçosa e cidades como Ponte Nova, Ervália e Muriaé.
“Insumos que vêm de Goiás e Mato Grosso não chegam aqui. Estamos
perdendo capacidade econômica por não ter alternativa, a não ser a
BR-120, que nos liga a Ponte Nova”, lamentou.
O propósito da ONG conta com o apoio da UFV. Durante a reunião, foi
anunciado que a universidade apoiará a recuperação da linha férrea que
passa pelo campus de Viçosa para que o trem volte a circular na região.
Segundo o pró-reitor de Planejamento e Orçamento da universidade,
Sebastião Tavares de Rezende, a UVF tem interesse em participar na
elaboração e condução de proposta em torno do assunto. “O leito da
ferrovia está dentro do campus, e a universidade pode usar seu
conhecimento para buscar uma solução para a mobilidade urbana”, frisou.
Para o gerente de Relações Institucionais da FCA, José Osvaldo Cruz, a
empresa tem grande experiência no transporte turístico de passageiros.
“Operamos hoje os trens de Ouro Preto e de São João del-Rei, que têm
similaridade com o que pode vir a ser feito em Viçosa. Outro exemplo é o
trem das Montanhas em Viana (ES). O trecho de Viçosa já está disponível
no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), mas o
que poderá ser feito depende desse órgão”, afirmou.
Quanto ao transporte de passageiros, Cruz citou o exemplo de São
Paulo, onde há transporte de cargas convivendo com o de passageiros, o
que gera problemas, segundo ele. “Mobilidade urbana é um dos grandes
itens da gestão pública, e a ferrovia pode ser uma solução”, disse.
A concessionária - A FCA é uma empresa do Grupo VLI.
Foi inaugurada em 1996, com o processo de desestatização da Rede
Ferroviária Federal (RFFSA), e tem extensão atual de 7.220 km. É o
principal eixo de conexão ferroviária entre as regiões Nordeste, Sudeste
e Centro-Oeste do Brasil. Em Minas Gerais, o maior trecho que será
devolvido pela empresa à União é a ligação entre Corinto (Região
Central) com Alagoinhas (BA), em um total de 1.439 km.
Indenização da FCA é de R$ 780 milhões
O assessor da Superintendência de Infraestrutura de Transporte de
Carga da ANTT, Fernando Augusto Formiga, disse que o valor devido pela
FCA em função da degradação apresentada das ferrovias é de
aproximadamente R$ 780 milhões, valor que levou em conta a recuperação
dos trechos abandonados.
Ele explicou que os trechos foram divididos em dois grupos: os
antieconômicos (centenários, sem tráfego regular há anos e com segurança
crítica) e os economicamente viáveis. “Para estes, está prevista a
construção de 11 mil km de novas linhas, com investimento de R$ 100
bilhões, objetivando um novo modelo ferroviário nacional”. O
representante da ANTT reconheceu que nos últimos anos o transporte de
passageiros não recebeu a atenção que deveria, mas que a partir de agora
isso começaria a mudar.
“Esses 11 mil km que serão novos, na verdade, são para repor o que
foi desativado. É importante que essas novas ferrovias deixem janelas
para o transporte de passageiros. Não pode ser só de carga”, ressaltou o
chefe do Departamento de Engenharia de Transportes do Centro Federal de
Educação Tecnológica (Cefet), Antônio Prata.
Falando sobre a matriz brasileira de transporte, Prata comentou que
em 2005, 60% das vias brasileiras eram rodoviárias, enquanto o setor
hidroviário contava com 13% e 25% eram ferrovias. “Hoje esses índices
pouco mudaram. É preciso equilibrar essa distribuição”, completou.
Prata também fez alguns questionamentos para a reflexão dos
participantes da audiência pública. “Em que a resolução da ANTT
contribuirá no cumprimento do Plano de Investimentos em Logística e na
melhoria de qualidade de vida? A resolução é uma ameaça ou uma
oportunidade ao sistema ferroviário de passageiros em Minas? A quais
interesses a resolução atenderá? Qual o significado socioeconômico da
resolução para a Zona da Mata e para a microrregião de Viçosa?”,
questionou.
Prefeitos apoiam retomada das linhas de trem
Prefeitos da região participaram da audiência pública da comissão - Foto: Pollyanna Maliniak |
Prefeitos da região também participaram da reunião e
demonstraram ser favoráveis à reativação das linhas de trem. O prefeito
de São Geraldo, Marcílio Moreira Barros, defendeu o transporte de cargas
para atender o parque industrial da cidade e reclamou da falta de
comunicação com a FCA. O prefeito de Teixeiras, Francisco Márcio da
Silva Teixeira, manifestou preocupação com o aproveitamento do leito da
ferrovia dentro da cidade, o que melhoraria o trânsito local. Já a
prefeita de Cajuri, Maria do Carmo Prieto, foi elogiada pelo trabalho de
revitalização da via férrea do município.
De acordo com o presidente da comissão, o deputado Paulo Lamac (PT),
autor do requerimento para a realização da audiência pública, comprou-se
a ideia, durante muitas décadas, de que o transporte ferroviário estava
ultrapassado. “O desmantelamento e a falta de investimentos na malha
ferroviária cobram um preço muito alto hoje. Os custos de frete são
extremamente significativos. Neste momento temos a proposta de retomada
do fôlego do transporte ferroviário”, avaliou o parlamentar.
O superintendente do Patrimônio da União em Minas Gerais, Rogério
Aranha, alertou para a fragilidade da documentação cartorial, ou seja,
para a ausência de plantas dos imóveis relacionados com as linhas
ferroviárias.
Em resposta a Aranha, o chefe do Departamento de Cultura e Patrimônio
da Prefeitura de Viçosa, Kleber Gustavo Castro, observou que a
prefeitura está de posse das plantas dos prédios históricos e só precisa
da sua cessão. Castro disse também que a estação Silvestre “está caindo
aos pedaços”.
“Projetos estão prontos. Não reformamos porque não
podemos”, criticou.
Em outra intervenção, o vereador Geraldo Luís Andrade, o Geraldão,
propôs a criação de um conselho intermunicipal das cidades que
participam do processo. O parlamentar argumentou ainda que o Plano
Diretor e o Plano de Mobilidade devem ser respeitados para não ter
problema no futuro. “Mesmo com seu papel de desenvolvimento, o trem de
carga em Viçosa seria um problema. Não vemos com bons olhos o trem de
carga passar no centro da cidade”.
Na parte da tarde, a audiência foi retomada com diversas palestras.
Na primeira delas, o diretor da Oscip Associação de Preservação das
Tradições e do Patrimônio Cultural de Santa Bárbara (Apito), o
engenheiro Sérgio Mota de Mello, criticou duramente a resolução da ANTT,
que, segundo ele, dará prejuízo aos cofres públicos. Em seguida, André
Tenuta, do Instituto Cidade, criticou o Dnit, que, em sua opinião, é
órgão apenas rodoviário. “Temos que defender um novo modelo que
considere o transporte ferroviário”, disse.
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