26/02/2013 - O Estado de S. Paulo
*Marcos Sawaya Jank
Este ano o Brasil está colhendo a maior safra da sua História. Serão 185 milhões de toneladas (MT) de grãos e oleaginosas, 11% mais do que na safra anterior. Viramos o primeiro produtor (84 MT) e exportador (41 MT) mundial de soja. Também tomamos dos americanos a posição de primeiro exportador mundial de milho (25 MT, ante 23 MT dos EUA), um fato inédito e surpreendente que decorre da terrível seca que atingiu aquele país em meados do ano passado e provocou uma quebra de safra superior a 110 milhões de toneladas de grãos.
Em recente evento de que participei nos EUA, a principal questão não era saber a estimativa de quanto o Brasil vai produzir nesta safra, mas sim os volumes de soja e milho que serão efetivamente escoados através de nossos portos até o início da próxima safra americana. Ninguém mais tem dúvida de que o Brasil consegue responder rapidamente na produção. Basta dizer que só na soja ampliamos a área plantada em quase 3 milhões de hectares em apenas um ano. A segunda safra de milho - erroneamente chamada de "safrinha" e plantada após a colheita de soja no mesmo ano agrícola - superou a safra de verão em mais de 6 MT nos dois últimos anos. Trata-se de uma notável vantagem competitiva da agricultura tropical, que jamais vai ocorrer em países de clima temperado.
Acontece que em apenas um ano aumentamos a nossa exportação "potencial" de milho e soja em 18 milhões de toneladas, 36% mais do que na safra passada. Vale notar que o grosso da expansão de soja e milho se dá nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Bahia, em áreas que se situam entre 1.000 e 2.300 km de distância dos portos. Se somarmos ainda as exportações de 25 MT de açúcar e a importação de 18 MT de matérias-primas para fertilizantes, não é de espantar que este ano assistiremos, passivos e apavorados, à maior asfixia na logística de granéis da nossa História!
Neste momento, as filas de navios para atracar nos Portos de Santos e de Paranaguá estão duas a três vezes maiores do que há um ano. Na última quinta-feira havia 82 navios esperando para carregar grãos no Porto de Paranaguá, ante 31 nesta mesma época do ano passado. Em Santos havia 59 navios, ante 29 há um ano. O custo médio de demurrage de um navio parado esperando carga é de US$ 30 mil por dia. Em seminário do Banco Itaú-BBA realizado na semana passada, operadores relataram que para evitar 45 dias de fila de espera em Paranaguá eles decidiram mandar os caminhões para o Porto de Rio Grande, onde as filas duram menos de dez dias. Ou seja, depois de rodar 2.300 km do norte de Mato Grosso até Paranaguá, a soja ainda tem de rodar outros 1.100 km para pegar uma "fila mais rápida" no Rio Grande do Sul. Uma verdadeira insanidade!
Para complicar ainda mais, a Lei 12.619, que restringe a jornada de trabalho dos caminhoneiros e o tempo de condução dos veículos, teve o efeito prático de "retirar" mais de 500 mil carretas das estradas. Os fretes de cargas já subiram entre 25% e 50% este ano. Além disso, o processo de votação da Medida Provisória n.º 595 - a chamada MP dos Portos, que propõe novas regras para a modernização destes - tem produzido uma sucessão de greves em escala nacional, que só tende a piorar com o avanço das negociações.
Essa situação calamitosa nos leva a pelo menos três reflexões importantes. A primeira delas, e mais óbvia, é a necessidade urgente de votar os novos marcos regulatórios que modernizariam a logística brasileira, particularmente a MP dos Portos. Apesar da calamidade nas estradas, da insuficiência histórica de ferrovias e hidrovias e da falta de armazéns (nossa capacidade de armazenagem equivale a 72% da safra de soja e milho, ante 133% nos EUA), o pior gargalo do País neste momento, de longe, são os portos. É hora de vencer a reserva de mercado, a burocracia e o corporativismo de um dos setores mais atrasados da economia brasileira.
A segunda é a necessidade urgente de viabilização sistêmica da nova logística do Norte do País, traduzida no escoamento pelos Portos de Itacoatiara (Rio Madeira), Santarém (Amazonas), Marabá (Tocantins), Miritituba (Teles Pires/Tapajós) e Vila do Conde (confluência do Amazonas e do Tocantins, no Pará), na conclusão da pavimentação das rodovias BR-163 e BR-158 e das Ferrovias de Integração Norte-Sul (FNS), Centro-Oeste (Fico), Oeste-Leste (Fiol) e Transnordestina. Basta dizer que 60% da produção de grãos se concentra nos cerrados, que serão beneficiados pela nova logística, mas só 14% dela é hoje escoada pelos portos do Norte e Nordeste. A viabilização dos novos corredores permitiria exportarmos com navios Capesize, que transportam 120 mil toneladas de grãos, o dobro da capacidade dos navios Panamax, hoje utilizados. Com a futura passagem desses navios pelo Canal do Panamá, em 2014, será possível reduzir em pelo menos 20% o frete marítimo para a China, que já responde por 40% da nossa exportação de grãos, além da redução potencial dos fretes terrestres, pelo uso de ferrovias e hidrovias.
A terceira reflexão tem que ver com o longo prazo. Precisamos estudar qual seria o melhor modelo de inserção do Brasil no agronegócio global do futuro. Hoje estamos engargalados num sistema ineficiente de transporte de soja e milho por caminhões, portos velhos e caros e navios pequenos. Milho e soja servem basicamente para produzir ração para bovinos, suínos e aves, que vão produzir a proteína animal consumida por países que estão do outro lado do planeta.
Num momento em que vários países constroem políticas comerciais mais agressivas - vide o anúncio do novo acordo EUA-União Europeia e a miríade de acordos asiáticos -, não seria a hora de repensar as nossas cadeias de suprimento, buscando explorar a combinação de maior eficiência e valor dos grãos, carnes e lácteos que serão demandados no futuro?
*Marcos Sawaya Jank é especialista em Agronegócio e Bioenergia, e foi presidente da Unica e do Icone.
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