Ministério Público Federal cobra do IPHAN, da Inventariança da Rede Ferroviária e de órgãos como a ANTT compartilhamento de dados que ajude a proteger bens móveis e imóveis
Prédio da extinta RFFSA, no Bairro Floresta, apresenta sinais de desgaste: Zani Cajueiro diz que falta diálogo para o planejamento coordenado de ações
Gustavo Werneck
O descompasso entre as instituições envolvidas com a conservação dos bens móveis e imóveis da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. vem atrasando a solução dos principais problemas do setor e tem acelerado os danos ao acervo cultural. Para colocar a situação nos trilhos e evitar gastos desnecessários do dinheiro público, o Ministério Público Federal (MPF), em Belo Horizonte, cobra ação integrada e repasse de informações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), responsável pela gestão dos bens de valor cultural, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), pelo licenciamento ambiental da malha ferroviária, Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e Inventariança da Rede e Ferrovia Centro-Atlântica. Depois de reunida com representantes dos órgãos, a procuradora da República Zani Cajueiro requisitou relatórios sobre vistorias e levantamentos executados recentemente.
“O inacreditável é que os estudos estão totalmente desarticulados. Cada órgão atua de maneira independente, sem qualquer compartilhamento de informações. É fundamental que os dados sejam reunidos para que se possa conferir agilidade e eficiência ao trabalho e, claro, economizar recursos públicos”, afirmou Zani. Na semana passada, o Estado de Minas publicou reportagem sobre a situação de dois bens ferroviários, uma locomotiva a vapor e um vagão de madeira, que completam 100 anos em 2012 e estão abandonados nos jardins do prédio da extinta Rede, na Rua Sapucaí, no Bairro Floresta.
Para Zani, os dois exemplos são apenas “gotas no oceano”, tal a imensidão do patrimônio ferroviário brasileiro, estimado em cerca de 52 mil bens, entre vagões, estações, documentos e trilhos. Um dos efeitos da falta de sintonia e trabalho entre os órgãos é que “ninguém se responsabiliza pela preservação dos bens e não há a transferência das informações”.
A procuradora adianta que um levantamento importante é o sistema de Gestão com Inteligência Geográfica das Concessionárias Ferroviárias (GIGFER), sob responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Criado pela Resolução 3.543/2010, ele deveria ser alimentado pelas concessionárias do setor, que tinham até o fim de junho para lançar dados sobre todos os bens e investimentos relacionados às concessões. Após o registro, as informações terão de ser validadas pela ANTT.
O MPF acredita que o GIGFER será de extrema utilidade para o conhecimento da situação do patrimônio ferroviário, porque as concessionárias são obrigadas a relatar não só os bens e investimentos vinculados à concessão, como os não vinculados e projetos associados. “Se o Ibama e o IPHAN alegam já ter feito seus levantamentos, nada mais racional e lógico que possam auxiliar a ANTT na validação dos dados lançados pelas concessionária. Isso vai economizar tempo e dinheiro público”.
IPHAN
O superintendente do IPHAN em Minas, Leonardo Barreto de Oliveira, acredita que um descompasso entre os órgãos envolvidos na preservação do patrimônio ferroviário tenha tido origem ao ser criada Inventariança da Rede. “Talvez os responsáveis na época não soubessem como proceder neste aspecto. Mas hoje as instituições buscam suprir esta carência e enviam dados para alimentar o trabalho da ANTT”, garantiu Leonardo. Nos últimos quatro anos, o IPHAN, co-gestor do patrimônio ferroviário, elaborou o inventário de todos os bens imóveis, incluindo 1,3 mil estações, além de pontilhões e outras edificações. Neste ano, adianta, vai começar o inventário dos bens móveis, como locomotivas e vagões.
Procuradora vê 'graves irregularidades'
Para Zani Cajueiro, a questão dos bens ferroviários é “extremamente complexa”, porque envolve óticas distintas – valor cultural, preservação ambiental, gestão de transportes e defesa do patrimônio público – dispersas por diferentes órgãos. “É preciso que a atuação se dê de forma coordenada, com a constante troca de informações. O IPHAN, por exemplo, deve coordenar suas ações não só com o Ibama, mas também com a SPU, no que diz respeito ao gerenciamento dos bens imóveis, e com o DNIT, com relação aos bens operacionais. Por isso, o MPF recomendou à ANTT que ponha à disposição o GIGFER para alimentação e consulta por todas as instituições envolvidas e permita o acesso simultâneo aos dados.
"O MPF vem tratando do tema RFFSA sob o prisma da preservação do patrimônio cultural em sucessivas reuniões e assinaturas de termos de ajustamento de conduta desde 2008. Por certo, o momento de maturação, depois de três anos, é agora, não se podendo mais aceitar dos envolvidos as graves irregularidades que estamos verificando”, afirmou Zani. O Ministério Público Federal recomendou ao IBAMA que cuide do licenciamento ambiental da malha ferroviária que passa pelo estado, exigindo das concessionárias, em 90 dias, estudo sobre os impactos sociais do empreendimento, com a atualização de dados sobre as ocupações irregulares ao longo dos trechos e as condicionantes relativas a eventuais realocações dessa população.
A coordenadora do Núcleo de Licenciamento do Ibama em Minas, Ubaldina Costa Isaac, diz que está administrando o passivo da malha ferroviária mineira, que tem mais de 100 anos. “Há momentos em que o licenciamento tem que ser fracionado por se tratar de trechos centenários”. Ela disse que o Ibama não se nega a prestar informações ou trabalhar de forma integrada, embora esteja certa de que a rapidez fica aquém do desejado. “Todos os autos de infração que lavramos são repassados ao MPF”, afirmou.
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Caríssimos, só existe um problema nisso tudo. Com a velocidade que o MPF age, até que os responsáveis pela depredação desse patrimônio de valor incalculável sejam responsabilizados só nos restarão as poucas fotografias que temos.
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