Os problemas da infraestrutura de transportes que minam a
competitividade do agronegócio nacional não estão restritos às condições
precárias e limitadas de rodovias, ferrovias e hidrovias. Essa equação
que encarece e complica o escoamento da produção nacional embute ainda
um enorme descolamento entre as obras de logística que o governo planeja
- ou já executa - daquelas que o produtor nacional defende. Essa
distância entre planejamento e demanda acaba de ser captada por uma
auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Por meio de entrevistas com organizações do agronegócio e estatais
ligadas ao Ministério dos Transportes, o TCU mapeou um total de 265
intervenções de infraestrutura necessárias para dar fim aos principais
gargalos logísticos do agronegócio. Ao cruzar a lista de obras públicas
com aquelas que o setor deseja, chegou-se a um cenário preocupante: 104
obras, o equivalente a 40% do total, simplesmente nem sequer estão nos
planos do governo.
Esse descompasso é mais profundo no setor de portos, onde 67% das
ações demandadas pelos produtores não estão nos planos da União. Nas
hidrovias, que têm o preço mais barato para transporte de carga, essa
média é de 49%. Nas ferrovias, 56% dos projetos necessários estão fora
do planejamento. A menor diferença entre as obras planejadas e aquelas
não previstas está no setor rodoviário. Quando o assunto é estrada,
governo e produtores estão bem mais alinhados. O relatório do TCU
enumera um total de 96 obras previstas ou já em andamento em rodovias
federais, das quais apenas 5% estão fora do que é proposto pelos
empresários da agricultura.
"O Brasil é um país rodoviarista, as pessoas que estão nos cargos do
governo ainda pensam com essa cabeça", diz Edeon Vaz Ferreira,
coordenador-executivo do Movimento Pró-Logística, que estuda projetos de
escoamento agrícola. "É claro que não podemos ignorar a importância das
estradas e que elas merecem investimentos, mas falta buscar mais
equilíbrio na matriz logística. Todos nós pagamos muito caro por isso."
A última edição do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT,
2009), utilizado pelo governo para estabelecer suas prioridades de
investimento, indica uma participação de 58% do modal rodoviário na
matriz de transportes, seguida pelo ferroviário (25%) e aquaviário
(13%).
Estimativas feitas com base em cálculos do Banco Mundial apontam que o
custo logístico do Brasil varia entre 10% e 15% do Produto Interno
Bruto (PIB), quase duas vezes mais que nos Estados Unidos e outros
países ligados à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Isso significa que, do total de R$ 4,14 trilhões do PIB do ano
passado, até R$ 621 bilhões podem ter sido gastos com logística. Se for
considerado apenas o PIB do setor agrícola em 2011, estimado pelo Centro
Paulista de Estudos Agropecuários (Cepea) em R$ 917,6 bilhões, até R$
137,6 bilhões foram desembolsados para transporte.
A auditoria do TCU se concentrou em cinco grandes corredores de
escoamento do país, apontando diversos tipos de intervenções em cada um
deles. O corredor do Rio Madeira está focado no escoamento da produção
do oeste do Mato Grosso e de Rondônia, com destino às regiões Norte,
Nordeste e mercados de exportação. O corredor da BR-163, entre o Mato
Grosso e o Pará, conecta importantes regiões produtoras da porção
Centro-Norte (Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Guarantã do Norte) ao
porto fluvial de Santarém (PA). No Centro-Oeste, a obra mais importante é
a Ferrovia Norte-Sul (FNS), que deve se transformar no principal eixo
logístico do país.
Para o corredor Nordeste, entre as obras mais importantes está o
projeto para utilização da hidrovia do São Francisco, que precisa ser
viabilizada a partir de obras de dragagem, derrocamento e sinalização.
No modal ferroviário, a indústria aguarda a conclusão de obras já muito
atrasadas: a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) na Bahia, a cargo
da Valec; e a Ferrovia Nova Transnordestina, a cargo da Transnordestina
Logística, que promete interligar até 2014 a cidade de Eliseu Martins
(PI) aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE).
No corredor Sul são apontadas as principais obras para escoar a
produção dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelos portos
da região: Rio Grande (RS), Itajaí (SC), Navegantes (SC) e São Francisco
do Sul (SC). Para o modal ferroviário existem demandas para construção
de ferrovia que atravesse Santa Catarina no sentido leste-oeste, desde
Dionísio Cerqueira até Itajaí, passando por Herval D'Oeste e Xanxerê.
"Foi possível constatar que o problema de infraestrutura do
agronegócio não se restringe à inadequação ou insuficiência de estradas e
portos para o escoamento da produção", diz o ministro relator do
processo no TCU, José Múcio Monteiro. "Na verdade, a própria matriz de
transportes brasileira mostra-se inapropriada, com predomínio do modal
rodoviário, em detrimento dos transportes ferroviário e aquaviário."
Com a expansão da fronteira agrícola em direção ao Centro-Oeste e
Norte do país, afirma Múcio, a produção nessas regiões triplicou e
quadruplicou, respectivamente, nos últimos 20 anos, mas a logística não
acompanhou esse movimento. Cálculos do PNLT apontam que a redução de 10%
no preço dos fretes do país levaria a um incremento da ordem de 40% no
volume de exportações setoriais. Para as exportações dirigidas aos EUA,
em particular, o aumento seria superior a 40%.
28/08/2012 - Valor Econômico
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