O fantasma da incerteza vem assombrando os investidores da América Latina Logística (ALL). Enquanto os analistas divergem sobre os efeitos práticos da nova regulamentação do setor ferroviário, aprovada em julho, as ações da empresa apanham na bolsa, com queda de 35% no ano - comparada a uma retração de 16% do índice Bovespa no período.
O governo definiu em julho o regime de metas por trechos. Na prática, significa que, em trilhos nos quais as concessionárias estiverem operando com capacidade ociosa, outras empresas poderão atuar. Trata-se do chamado "direito de passagem".
Os clientes que possuírem trens próprios também poderão se utilizar dos trilhos, mediante uma remuneração para as concessionárias. Em outras palavras: acabou-se o monopólio.
"Os estrangeiros encaram isso como uma mudança de regras no meio do jogo", aponta Daniel Noronha, da área de análise da XP Investimentos.
Para Noronha, não há nada no cenário de curto ou médio prazos que impulsione as ações da ALL. "Não há gatilho", resume o analista, que tem recomendação "neutra" para os papéis da companhia.
Alguns analistas temem que, com o acirramento da concorrência, a ALL precise reduzir tarifas. Isso obrigaria a empresa a passar a operar com margens mais comprimidas.
Para o Barclays - que recomenda venda - a sensibilidade das ações da ALL em relação as tarifas praticadas é alta. "Cada redução de 5% na tarifa por tonelada transportada representa um corte potencial de 2% no preço-alvo do papel da ALL. Um projeto como a Brado [de transporte de contêineres] pode adicionar até R $ 0,90", informa o relatório do Barclays.
A partir de 2012, a ALL prevê uma folga de caixa, depois de 15 anos investindo tudo o que lucrou.
No ramo de ferrovias, a ALL é ainda uma das empresas que opera com as melhores margens do mundo. "Essa característica que sempre foi um forte da ALL pode estar ameaçada no longo prazo", diz um analista que preferiu não ser identificado.
Para Luciano Campos, do HSBC, a palavra-chave é incerteza. "Da mesma forma que outras empresas poderão usar a malha da ALL, a própria ALL também poderá usar a malha de outras concessionárias. Difícil mensurar os impactos disso", diz.
O pior, no entanto, ainda pode estar por vir: a redução do teto das tarifas nas ferrovias, que minaria a capacidade da ALL de repassar aumento de custos.
Em novembro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) concluirá um estudo sobre a revisão tarifária no setor, a primeira em quinze anos.
No momento, o órgão está fazendo uma nova mensuração das despesas da concessionárias. "Os dados estão desatualizados. Mas ainda não dá para adiantar se haverá redução do teto da tarifa, tampouco em que medida ela seria feita", diz Fábio Coelho Barbosa, da gerência de regulação e outorga ferroviária de cargas da ANTT.
Segundo Marina Braga, analista da Raymond James, a ALL oferece preços cerca 30% abaixo do limite de preços na maior parte dos seus trechos. O grande trunfo da empresa sempre foi praticar um grande desconto em relação ao modal rodoviário.
"Mas se for aprovada uma redução de teto superior a isso, os impactos nos resultados das ALL seriam imediatos", diz Marina.
No entanto, a analista considera que as chances disso ocorrer são remotas. "Uma medida drástica assim poderia intimidar investimentos em infraestrutura em diversos segmentos", diz. Sua recomendação é de compra.
Apesar das diferentes opiniões sobre os efeitos das novas regras no negócio da ALL, os analistas concordam em pelo menos um aspecto: o mau desempenho da companhia na bolsa também reflete os resultados abaixo da expectativa que ela vem apresentando desde o fim de 2009. A alta dependência do setor agrícola, que é muito instável, é apontado como um ponto fraco da ALL.
Num cenário de aguda aversão ao risco, ficar refém do Diário Oficial ou da imprevisibilidade das safras é a última coisa que os investidores querem. Por isso, apesar de terem subido junto com a bolsa na semana, as ações da ALL eram negociadas ontem a apenas 1,6 vez o seu valor patrimonial. Com base apenas nesse indicador, é possível dizer que os papéis estão mais desacreditados hoje do que estiveram no auge da crise financeira - segunda quinzena de outubro de 2008 - quando foram negociados a uma média de 3,8 vezes o seu valor dos livros.
Procurada repetidas vezes pelo Valor, a ALL preferiu não dar entrevista. Por nota enviada por e-mail, a companhia diz apenas que "com as novas resoluções da ANTT, haverá uma oportunidade de explorar novas regiões do país com o modal ferroviário, em um modelo [em que] a concessionária adquire locomotiva e vagões e paga um direito de passagem pelo uso da via permanente à União".
A Agência Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), entidade que representa as concessionárias informou que "está estudando as alterações em todos os seus aspectos técnicos, operacionais, econômicos e jurídicos". A ANTF também não concedeu entrevista.
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