O americano Gordon Wassenaar e o brasileiro Modesto Felix Daga têm muito em comum. São fazendeiros apaixonados pela terra, plantam essencialmente grãos - milho, soja e trigo -, entendem muito sobre o agronegócio em seus respectivos países e também no país do outro, porque Wassenaar admira a agricultura do Brasil e Daga, a dos Estados Unidos. Além da fazenda, porém, não há semelhança que possa aproximá-los.
Wassenaar é fazendeiro em Prairie City, no Estado de Iowa. Se há algo que não o preocupa é como os seus grãos vão chegar a áreas industriais ou aos portos, apesar de viver a quase 1.700 km da primeira praia. "Não faltam nos Estados Unidos opções para escoar a produção", diz com um sorriso largo. Daga, fazendeiro em Cascavel, no Paraná, está a 700 km do mar -o 13 da metade da distância do americano -, mas seu tom de voz expressa desânimo quando o assunto é colher e escoar a safra. "Você sabe, eu sei, todo mundo sabe: transportar produtos agrícolas no Brasil é custoso, moroso e cansativo." A comparação entre a infraestrutura disponível é no mínimo constrangedora para o Brasil, que se autointitula celeiro do mundo.
Wassenaar conta com uma estrutura logística azeitada que começa no próprio quintal. A menos de 50 metros da porta dos fundos de sua casa estão três enormes tanques de sila-gem, capazes de armazenar toda a sua produção. Assim, ele vende quanto quer, quando quer. Todos os vizinhos têm armazéns como ele. "Os pequenos agricultores, que não podem ter um armazém próprio, se reúnem e investem em armazéns coletivos", diz Wassenaar. Dentro das propriedades, a capacidade de armazenagem dos Estados Unidos é de 1,8 safra. Ou seja: quase duas safras podem ser estocadas nas próprias fazendas.
Diferenças. É uma realidade muito diferente da brasileira. Apenas 17% de uma safra podem ser estocados nas propriedades. A capacidade total do País corresponde a 68% da safra. Daga planta pouco mais de 500 hectares de soja e trigo e não tem armazém. "O financiamento nunca foi atraente porque o custo era alto e o prazo para o pagamento, curto", conta ele. "Melhoram as condições recentemente e estou avaliando, mas ainda preciso vender na colheita."
É fato que Daga não vai se preocupar em conseguir o transporte. Quem comprar os seus grãos se encarrega de levá-los. Mas o comprador vai descontar do preço da saca de Daga todo o custo adicional que for encontrando pelo caminho. O primeiro deles é o adicional do frete durante a colheita, quando faltam caminhões para atender toda a demanda. "O preço final que eu vou receber é a diferença do preço da saca e o custo do transporte até o porto."
Há muitas cooperativas com silos no Paraná, mas a grande central de es-tocagem é o próprio terminal da única ferrovia local, a Ferroeste, controlada pelo governo do Estado. Lá operam 13 empresas e cooperativas. No pico da colheita, principalmente de soja, a entrada fica tomada de caminhões. Não raro os silos lotam e os veículos e carga permanecem estacionados no local, como se fossem armazéns sobre rodas. Boa parte do trabalho ainda é manual. Para se ter uma ideia, um funcionário coleta pessoalmente as amostras de semente e empacota em envelopes de plástico.
Para os padrões brasileiros, a malha ferroviária no Paraná é um luxo. A pública Ferroeste se interliga aos trilhos da privada ALL, que chegam ao Porto de Paranaguá. Poucas áreas agrícolas têm tal privilégio no País. Mas as diferenças de idade e de especificações técnicas dos diferentes trechos faz do tra-jeto, até o navio, uma odisséia.
As composições que deixaram Cascavel devem fazer uma espécie de conexão em Guarapuava, onde termina o trecho público e começa o privado. Nesse ponto, é preciso trocar a locomotiva. Entre a saída de uma e a chegada da outra podem transcorrer dois, às vezes três dias. As duas empresas assinaram um acordo para permitir o trânsito das composições e evitar as paradas já para a próxima colheita de soja.
Na altura de Curitiba, costuma haver nova troca de locomotiva, o que demanda ao menos mais 24 horas de espera. O traçado até o porto foi aberto no tempo do Império. É tortuoso e íngreme, o que exige atenção na descida. Ao final, de Cascavel a Paranaguá, a viagem segue a uma velocidade média de 15 km por hora. Segundo : estudo divulgado pela Federação da i Agricultura do Estado do Paraná, a | tarifa do trem eqüivale a 75% do valor I do frete do caminhão. Assim, depen-! dendo do tempo de espera, compensa colocar a carga na rodovia mesmo.
No porto, o desembarque é às antigas: operários batem nos vagões com bastões de borracha para que a trepidação faça com que todos os grãos caiam para fora.
Outra realidade. Os grãos de Wassenaar, em Iowa, cumprem um ritual bem diferente. São retirados da fazenda por veículos próprios ou da associação de produtores. Seguem direto para silos também construídos e mantidos pela associação. Essas centrais de silagem ficam no máximo a 20 quilômetros das fazendas e estão a poucos metros dos trilhos da ferrovia. Iowa tem dez centrais de silagem. A propriedade de Wassenaar está a menos de cinco minutos de uma delas.
A pesagem da carga e a coleta de amostras é mecanizada. A armazenagem dos grãos nos silos não leva três minutos: os caminhões graneleiros estacionam sobre a área de estocagem e o fundo da caçamba se abre, despejando o conteúdo. Há apenas um trilho ao lado dela, mas três companhias operam a linha, o que gera competição.
A ferrovia, que existe desde o século 19, era usada pelos avós de Wassenaar nos anos 1920, quando ele se instalaram na mesma terra onde ele vive hoje. Mas o sistema foi modernizado. Os trens trafegam a uma velocidade média de 70 km/hora, mas chegam a 100 km/h. No destino, os vagões são virados por sistemas informatizados para descarregar o conteúdo nos armazéns sem que seja preciso parar a locomotiva - o desembarque é feito com o trem em movimento.
A economia do trem em relação ao caminhão depende da distância. Até Gedar Rapids, onde há várias indústrias de alimentos, o trem custa metade do que custaria o caminhão. Até Morales, no México, a diferença é maior. Cada saca sai por US$ 7,88 no caminhão e US$ 1,25 no trem. Mas os grãos são transportados aos portos pela hidrovia do Mississipi, com redução de 80% em relação à rodovia.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Publicada em:: 10/11/2013
Wassenaar é fazendeiro em Prairie City, no Estado de Iowa. Se há algo que não o preocupa é como os seus grãos vão chegar a áreas industriais ou aos portos, apesar de viver a quase 1.700 km da primeira praia. "Não faltam nos Estados Unidos opções para escoar a produção", diz com um sorriso largo. Daga, fazendeiro em Cascavel, no Paraná, está a 700 km do mar -o 13 da metade da distância do americano -, mas seu tom de voz expressa desânimo quando o assunto é colher e escoar a safra. "Você sabe, eu sei, todo mundo sabe: transportar produtos agrícolas no Brasil é custoso, moroso e cansativo." A comparação entre a infraestrutura disponível é no mínimo constrangedora para o Brasil, que se autointitula celeiro do mundo.
Wassenaar conta com uma estrutura logística azeitada que começa no próprio quintal. A menos de 50 metros da porta dos fundos de sua casa estão três enormes tanques de sila-gem, capazes de armazenar toda a sua produção. Assim, ele vende quanto quer, quando quer. Todos os vizinhos têm armazéns como ele. "Os pequenos agricultores, que não podem ter um armazém próprio, se reúnem e investem em armazéns coletivos", diz Wassenaar. Dentro das propriedades, a capacidade de armazenagem dos Estados Unidos é de 1,8 safra. Ou seja: quase duas safras podem ser estocadas nas próprias fazendas.
Diferenças. É uma realidade muito diferente da brasileira. Apenas 17% de uma safra podem ser estocados nas propriedades. A capacidade total do País corresponde a 68% da safra. Daga planta pouco mais de 500 hectares de soja e trigo e não tem armazém. "O financiamento nunca foi atraente porque o custo era alto e o prazo para o pagamento, curto", conta ele. "Melhoram as condições recentemente e estou avaliando, mas ainda preciso vender na colheita."
É fato que Daga não vai se preocupar em conseguir o transporte. Quem comprar os seus grãos se encarrega de levá-los. Mas o comprador vai descontar do preço da saca de Daga todo o custo adicional que for encontrando pelo caminho. O primeiro deles é o adicional do frete durante a colheita, quando faltam caminhões para atender toda a demanda. "O preço final que eu vou receber é a diferença do preço da saca e o custo do transporte até o porto."
Há muitas cooperativas com silos no Paraná, mas a grande central de es-tocagem é o próprio terminal da única ferrovia local, a Ferroeste, controlada pelo governo do Estado. Lá operam 13 empresas e cooperativas. No pico da colheita, principalmente de soja, a entrada fica tomada de caminhões. Não raro os silos lotam e os veículos e carga permanecem estacionados no local, como se fossem armazéns sobre rodas. Boa parte do trabalho ainda é manual. Para se ter uma ideia, um funcionário coleta pessoalmente as amostras de semente e empacota em envelopes de plástico.
Para os padrões brasileiros, a malha ferroviária no Paraná é um luxo. A pública Ferroeste se interliga aos trilhos da privada ALL, que chegam ao Porto de Paranaguá. Poucas áreas agrícolas têm tal privilégio no País. Mas as diferenças de idade e de especificações técnicas dos diferentes trechos faz do tra-jeto, até o navio, uma odisséia.
As composições que deixaram Cascavel devem fazer uma espécie de conexão em Guarapuava, onde termina o trecho público e começa o privado. Nesse ponto, é preciso trocar a locomotiva. Entre a saída de uma e a chegada da outra podem transcorrer dois, às vezes três dias. As duas empresas assinaram um acordo para permitir o trânsito das composições e evitar as paradas já para a próxima colheita de soja.
Na altura de Curitiba, costuma haver nova troca de locomotiva, o que demanda ao menos mais 24 horas de espera. O traçado até o porto foi aberto no tempo do Império. É tortuoso e íngreme, o que exige atenção na descida. Ao final, de Cascavel a Paranaguá, a viagem segue a uma velocidade média de 15 km por hora. Segundo : estudo divulgado pela Federação da i Agricultura do Estado do Paraná, a | tarifa do trem eqüivale a 75% do valor I do frete do caminhão. Assim, depen-! dendo do tempo de espera, compensa colocar a carga na rodovia mesmo.
No porto, o desembarque é às antigas: operários batem nos vagões com bastões de borracha para que a trepidação faça com que todos os grãos caiam para fora.
Outra realidade. Os grãos de Wassenaar, em Iowa, cumprem um ritual bem diferente. São retirados da fazenda por veículos próprios ou da associação de produtores. Seguem direto para silos também construídos e mantidos pela associação. Essas centrais de silagem ficam no máximo a 20 quilômetros das fazendas e estão a poucos metros dos trilhos da ferrovia. Iowa tem dez centrais de silagem. A propriedade de Wassenaar está a menos de cinco minutos de uma delas.
A pesagem da carga e a coleta de amostras é mecanizada. A armazenagem dos grãos nos silos não leva três minutos: os caminhões graneleiros estacionam sobre a área de estocagem e o fundo da caçamba se abre, despejando o conteúdo. Há apenas um trilho ao lado dela, mas três companhias operam a linha, o que gera competição.
A ferrovia, que existe desde o século 19, era usada pelos avós de Wassenaar nos anos 1920, quando ele se instalaram na mesma terra onde ele vive hoje. Mas o sistema foi modernizado. Os trens trafegam a uma velocidade média de 70 km/hora, mas chegam a 100 km/h. No destino, os vagões são virados por sistemas informatizados para descarregar o conteúdo nos armazéns sem que seja preciso parar a locomotiva - o desembarque é feito com o trem em movimento.
A economia do trem em relação ao caminhão depende da distância. Até Gedar Rapids, onde há várias indústrias de alimentos, o trem custa metade do que custaria o caminhão. Até Morales, no México, a diferença é maior. Cada saca sai por US$ 7,88 no caminhão e US$ 1,25 no trem. Mas os grãos são transportados aos portos pela hidrovia do Mississipi, com redução de 80% em relação à rodovia.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Publicada em:: 10/11/2013
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