Milhões de brasileiros não têm transporte público de qualidade nas regiões metropolitanas. Os congestionamentos são cada vez mais torturantes. As rodovias e as vias públicas estão cada vez mais cheias de carros e caminhões. O sistema aeroviário está em colapso.
Resultado: menos tempo para trabalho e lazer, maior preço dos produtos, menos exportações e condições de vida insatisfatórias.
Todos sabem a solução: trens metropolitanos e corredores de ônibus nas cidades, transporte de cargas por ferrovias entre as regiões, transporte ferroviário de passageiros para médias distâncias e eficiente sistema de transporte aéreo.
Os Estados e municípios do país não têm condições financeiras e nem sempre têm competência legal para enfrentar esse enorme desafio.
O governo federal, no entanto, não assume as suas responsabilidades.
Se fosse possível, como havia sido divulgado, que o projeto do trem-bala (TAV) tivesse a sua execução por capitais privados, nada haveria a opor.
Mas a licitação prevê a construção e operação quase que exclusivamente com dinheiro público: recursos do Orçamento da União, empréstimos do BNDES, a juros baixos e com a incrível garantia da própria União, e recursos dos fundos de pensão das estatais, fora a desoneração fiscal de R$ 14 bilhões.
O capital privado não chega a 20% dos R$ 35 bilhões previstos para a obra (especialistas preveem R$ 50 bi). Uma montanha de dinheiro para alimentar interesses econômicos e o ego de governantes.
Marta Suplicy, em seu artigo sobre o TAV, nesta Folha ("Trem-bala: ousar e pensar grande", 12/4), usa argumentos falsos sobre o número de empregos que o TAV irá criar. Eles serão menos do que se tivermos os mesmos investimentos promovendo a indústria em número maior de regiões do país.
Também é falso o argumento da maior proteção ao meio ambiente, pois a maior emissão de CO2 se dá justamente nas áreas metropolitanas, não na maior parte do trajeto do TAV. Nem mesmo o argumento de desenvolvimento de centros habitacionais é correto: o TAV tem poucas paradas e, por isso, é menos indutor de moradias do que um sistema de trens regionais.
Nem o fator tempo justifica o TAV. O cidadão da cidade de São Paulo, para acessá-lo, terá de atravessar a cidade até a estação prevista no Campo de Marte, na zona norte. Dependendo de onde estiver, poderá levar mais tempo para usar o TAV e atingir o seu destino final do que se usasse os meios de transporte atuais.
O metrô de São Paulo, em 2010, transportou 1 bilhão e 40 milhões de pessoas. Hoje, transporta 3,7 milhões nos dias normais: só na linha vermelha, 1,5 milhão de pessoas por dia. As novas linhas projetadas transportarão mais de 400 mil pessoas por dia. E a sua demanda é cada vez maior. Quanto mais linhas e estações, mais as pessoas deixam outras formas de transporte, migrando para o metrô.
O TAV tem previsão de transportar só 50 mil por dia, em média. É transporte para poucos. Dar a ele a prioridade que se dá é mais que ousadia e pensar grande: é esquecer dos milhões que sofrem com mobilidade tão deficiente.
A rede de metrô de São Paulo é de 70 km. Custaria hoje, para ser construída, de R$ 21 a R$ 28 bilhões. Menos que o TAV, que não transportará 5% do que uma linha do metrô paulista transporta. Com os seus recursos, poderíamos construir mais de 100 km de metrô em todo o país, atendendo milhões de brasileiros.
O TAV só se justificaria econômica, social e moralmente se as demandas por transporte público, metropolitano, regional e aéreo, e pelo transporte ferroviário de cargas estivessem equacionadas.
Cumprida essa missão, aí, sim, colocar-se-ia a questão da construção de um trem de alta velocidade.
Alberto Goldman, engenheiro civil, foi governador do Estado de São Paulo (2010), deputado federal, ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO (sexta-feira, 6 de maio de 2011)
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