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Title: Expedição do Patrimônio Vivo – 9º Dia – Ribeirão Vermelho e Lavras – Circuito Vale Verde e Quedas D’Água
Author: Lavras Além do Tempo
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Extraido do site : viraminas O penúltimo dia da Expedição começou em Lavras, mas tínhamos a missão de conhecer histórias da vizinha Ribeirão...

Extraido do site : viraminas


O penúltimo dia da Expedição começou em Lavras, mas tínhamos a missão de conhecer histórias da vizinha Ribeirão Vermelho. Tínhamos o período da manhã para registrar o município. Depois de tantos dias percorrendo exclusivamente estradas de terra, nosso percurso agora é asfaltado. Por uma estrada cheia de curvas, chegamos em minutos à ponte que dá entrada à cidade. Trata-se de uma ponte de ferro que atende simultaneamente aos carros e ao trem da rede ferroviária. O nome do município vem do tempo dos bandeirantes, devido a um confronto entre a bandeira de Fernão Dias com os índios Cataguases, que tingiu o rio de sangue.


Logo que atravessamos a ponte, nos deparamos com um imponente patrimônio material já desgastado pelo tempo e pela inatividade: quatro galpões abandonados e uma rotunda, que, segundo moradores locais, é a maior da América Latina.

O edifício da estação nos chamou a atenção por estar bem conservado, destacando-se do restante dos prédios. Lá funciona uma escola de confecção de roupas, um bar e um telecentro da prefeitura. Em frente à estação fica a Maria Fumaça, onde nos reunimos com alguns moradores locais. Perguntamos sobre quem poderíamos entrevistar para colher memórias dos tempos em que o trem de ferro rodava a pleno vapor. Quem nos atendeu foi Arakém Frágoas, que de prontidão garantiu que quase todo mundo na cidade é ex-funcionário da rede ferroviária. Ele disse que a cidade tem planos para revitalizar a rotunda e que estão sendo feitos projetos para tal. Muito solicitamente, ele nos conduziu à casa de seu Vicente Ferreira Filho, aposentado da Rede.
Primeira parada – 10h – Complexo Ferroviário de Ribeirão Vermelho (MG)

Buscamos seu Vicente Ferreira Filho, de 87 anos, numa pracinha local, onde conversava com amigos. Sugerimos fazer a entrevista em frente à Maria Fumaça, por causa do cenário para as fotos. Ele começou a conversa contando que nasceu num distrito de Perdões chamado de Santos Dias, onde havia uma estação de trens de passageiros e carga, distante nove quilômetros de Ribeirão Vermelho. Uma peculiaridade nos chamou a atenção: ele nos contou que só descobriu o verdadeiro nome do pai aos 17 anos, quando foi ao cartório se registrar para poder ingressar no exército. “Todo mundo chamava meu pai de Vicente Nazário, porque meu avô chamava Nazário. Só no cartório descobri que meu pai chamava Vicente Ferreira”, lembrou.


Filho de pai lavrador, seu Vicente trabalhou muitos anos na roça. Chegou a estudar na escola do local onde nasceu e, aos 17 anos, mudou-se para São João Del-Rey, onde morou um ano para servir ao exército. Depois, voltou para Santos Dias, onde continuou ajudando o pai na lavoura. Convivendo com o ir e vir de trens, seu Vicente resolveu pedir emprego na rede ferroviária. Em 1942, foi contratado para trabalhar na turma de manutenção da rede permanente, formada por quatro trabalhadores e um feitor (chefe). Trocavam dormentes, consertavam trilhos, acertavam parafusos.

Vencido o contrato de um ano, ele ficou oito meses ajudando nas tarefas da roça. Voltou para a rede como guarda-chaves, responsável pela chave que altera o trilho que define a direção por onde o trem vai seguir. Esse ofício já não existe mais, pois a operação é toda automatizada. Trabalhou ainda na tração, como foguista – responsável por jogar lenha na fogueira das locomotivas a vapor – no trecho entre Barra Mansa (RJ) e Minduri (MG). Seu Vicente conta que ficou apenas seis meses na função, pois achou o serviço muito pesado. Foi, então, transferido para Ribeirão Vermelho em 1945, onde começou ocupando a função de ferreiro da oficina. Aposentou-se em 1971, na função de supervisor da seção de oficina.
“Aqui na estação era muito bonito, muito animado e movimentado. Pra virar a locomotiva, tinha que colocar na rotunda. Punha ela em cima do girador, ele tinha na ponta umas alças, e o trilho girava. Era pesado, uma pessoa girava com dificuldade, e duas dava pra fazer”, contou seu Vicente, lembrando que uma locomotiva pesa em torno de 80 toneladas. Ele nos relatou ainda de quando havia enchentes no local, que fica às margens do Rio Grande. “Nós víamos que ia dar enchente e tiramos todo o material da estação. Uma vez, só o teto da estação ficou de fora da água”, recordou.
Seu Vicente encerrou a conversa lembrando dos antigos prédios que faziam parte do entorno da estação. “Tinha o prédio de iluminação, com os dínamos, o restaurante, o consultório médico, o dormitório dos funcionários, a carpintaria. Já derrubaram outros dois galpões, um da ferraria e outro da oficina de reparo de vagões”, comentou. Por fim, disse que ficaria muito feliz se os edifícios fossem restaurados, pois tem muita saudade de como era o local. “Eu era feliz e não sabia”, finalizou.
Segunda parada – 13h20 – Museu Bi Moreira – Lavras (MG)

Depois da breve passagem por Ribeirão Vermelho, voltamos a Lavras para conhecer alguém que pudesse nos contar da história do município. Fomos até o Museu Bi Moreira, localizado no campus da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Conhecemos o administrador do local, Ângelo Alberto de Moura Delphim. Conforme ele nos contou, o povoado de Lavras teve início entre 1720 e 1729 por bandeirantes, quando ganhou o nome de Campos de Santana das Lavras do Funil, dado por Fernão Dias. Seu Ângelo disse que todo povoado fundado por bandeirantes tem Santa Ana como padroeira. O nome Lavras do Funil faz referência ao rio, que tem um estreitamento lembrando um funil, e às lavras de ouro do local.
Seu Ângelo se mostrou um preciso conhecedor da história local. Por ele, ficamos sabendo que no local havia duas igrejas: uma, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, e outra, em homenagem a Santa Ana. A primeira foi demolida para obras de urbanização, sendo que a outra passou a ser dedicada a Nossa Senhora do Rosário, apesar de ainda resguardar pinturas de Santa Ana.
A respeito da tradição da cidade em educação (Lavras é conhecida como terras das escolas), seu Ângelo conta que um grupo de americanos trouxe para a cidade o Instituto Gammon, que havia fundado em Campinas (SP), de onde fugiram por causa da febre amarela. O mesmo grupo fundou, em Lavras, a Escola Agrícola, em 1908, que deu origem à atual Universidade Federal, com a iniciativa de federalização tomada pelo então primeiro-ministro Tancredo Neves, na década de 60. Depois, foi implantado o Colégio de Lourdes pela igreja católica, receosa com o crescimento do protestantismo no município, uma vez que o Gammon é ligado à igreja presbiteriana.
Formado em Letras, seu Ângelo sempre foi interessado na história de Lavras e, na juventude, ficou conhecendo Bi Moreira, secretário do diretor da UFLA, Benjamin Hunnicutt. Bi Moreira “sempre tinha mania de juntar coisas”. “Todo mundo dava peças e objetos para ele. Quando ele acordou, tinha um acervo muito grande. Ele tinha resolvido vender as peças, mas a ESAL (Escola Superior de Agronomia de Lavras) resolveu encampar o acervo e a inauguração oficial do museu aconteceu há 25 anos”, contou seu Ângelo, que desde o início, vem ajudando nas atividades da instituição.
Quando perguntamos sobre os tempos de antigamente, ele comentou sobre as procissões de Corpus Christi. “Antigamente, as coisas eram mais pitorescas. As procissões tinham muita pompa. O padre era segurado pelas pessoas mais importantes. O povo rezava para chover na hora em que o santo estivesse passando na porta de sua casa, porque era uma honra para o morador se o santo entrasse na casa”, comentou. Ele ainda nos contou que as alas da procissão eram muito bonitas: ala das virgens, formada por crianças vestidas de anjo, com cartuchos cheios de doce e enfeitadas; a ala do Sagrado Coração de Jesus; a do Sagrado Coração de Maria; a do Apostolado da Oração; a dos Congregados Marianos; a das Filhas de Maria.
Nesta época, Lavras tinha dois bondes no centro da cidade, um chamado Lupa e o outro Cupa. “O povo brincava que enquanto o Lupa sobe, o Cupa desce”, brincou. Para finalizar, perguntamos sobre ofícios antigos. Seu Ângelo comentou sobre Seu Brasilino, cuja função na comunidade era exclusivamente matar gambás. Encerramos a conversa com um passeio pelo museu Bi Moreira e ficamos conhecendo o impressionante acervo do local.
Terceira parada – 15h31 – Casa do senhor Luiz Teixeira da Silva – Lavras

O que nos levou à casa deste simpático senhor de 86 anos foi um desenho em nanquim que tínhamos visto na sala de seu Ângelo, na parada anterior. Decidimos ir até a casa de seu Luiz, e, até então, pensávamos que era apenas um retratista de paisagens antigas da cidade. A conversa, entretanto, nos revelou muito mais a respeito desta intrigante personalidade local.
Seu Luiz começou a conversa lembrando a casa simples onde nasceu, na época, uma das poucas da rua. A primeira lembrança da infância é de quando a mãe o levou para assistir a um filme mudo projetado no muro de uma casa. Ele disse ter ficado impressionado com as cenas da primeira guerra mundial, que mostravam soldados marchando, parecendo prisioneiros.
O pai, Joaquim Teixeira da Silva, era seleiro, trabalhava sob encomenda para fazendeiros da região, além do tocar na Banda Municipal de Lavras. Fazia arreios novos e consertava. Seu Luiz conta que começou a aprender o ofício com o pai, mas a vida lhe reservava outros caminhos. A selaria do pai começou a ver o movimento diminuir quando surgiu na região a primeira fábrica de arreios. Enquanto o pai demorava uma semana para produzir uma sela, a fábrica produzia doze vezes mais. Devido ao estilo mais conservador, seu Joaquim não cedeu às novidades e continuou produzindo sob encomenda, trabalhando para clientes que gostavam da qualidade do serviço artesanal.
Quando era jovem, seu Luiz arrumou emprego no comércio, e em alguns anos virou sócio de uma loja de móveis, ao lado de um imigrante judeu-polonês, o ex-mascate Perec Pinkus Przytyk, conhecido na cidade como Paulo Perek. Antes mesmo de entrar para o comércio, já desenhava. “Tinha dom para o desenho”, lembrou. O primeiro trabalho que ganhou destaque foi a série de histórias em quadrinhos em 17 capítulos Gregório vae a lua (sic), publicada em 1939 pela Revista Mirim, do Rio de Janeiro. Na época, a Mirim era uma das poucas publicações que dedicava espaço aos quadrinhos, uma vez que os intelectuais da época eram contra este tipo de arte.

A conversa nos revelou que estávamos diante de um dos primeiros quadrinistas do Brasil, o que jamais imaginávamos. Ele nos contou que tinha muita dificuldade em publicar suas histórias porque batizava seus personagens com nomes populares, tais como Celso, Oscar e Vicente, inspirados nos amigos de Lavras. Os editores de revistas da época, entretanto, insistiam que heróis deveriam ter nomes americanizados, como Bill e Dick. Outro detalhe que nos chamou atenção foi o fundo moral que as histórias tinham. Na série O sonho de Gregório, por exemplo,o personagem principal, após roubar o cofre da loja onde trabalhava, sonha que morre e, depois de ser julgado por um anjo vestido de soldado, volta à Terra na forma de um micróbio. Então, Gregório é atropelado por um carro, acorda e, constrangido, resolve devolver o dinheiro ao patrão. “Minhas histórias eram cheias de moral, acho que é porque, na época, a educação dos pais era muito presente”, comentou.
Seu Luiz deixou as histórias em quadrinhos de lado e, tempos depois, passou a desenhar pessoas e retratos falados de casarões demolidos. Hoje ele tem pinturas e desenhos espalhados por toda Lavras e dois filhos que compartilham do mesmo dom. Autodidata, seu Luiz já deu aulas de esperanto e se comunica nessa língua com pessoas do Brasil e do mundo. Colecionador de selos, foi dono de uma filatélica (loja de selos antigos). Atualmente se dedica à produção de artesanato, fazendo caixas para presentes e caleidoscópios.
No ano 2000, resolveu deixar para os filhos o legado de sua criatividade, lançando dez exemplares da coletânea “Minhas Coisas”. Oito anos depois já pensa em lançar “Minhas Coisas 2”. A conversa esticou noite adentro. As histórias nos fizeram perde a noção do tempo. Poderíamos ficar ali a noite toda, se não tivéssemos ainda outra visita para fazer. Nos despedimos satisfeitos por termos encontrado um legítimo patrimônio vivo.
Quarta parada – 18h10 – Casa da benzedeira Albertina Oliveira Venâncio

Tínhamos visitado a casa de dona Albertina ainda pela manhã, antes do almoço. Entretanto, o movimento era enorme e, sabendo que não teríamos tempo de esperar, resolvemos voltar no fim da tarde. Encontramos a benzedeira muito cansada, pois o dia tinha sido de muitos atendimentos. Ela chega a atender até cem pessoas por dia, em sua sala montada nos fundos de casa. Hoje com 76 anos, ela nos contou que herdou o ofício do pai, Éverton Zacarias de Oliveira, que benzia vizinhos e amigos e receitava plantas medicinais.
Ela contou que o dom se manifestou aos 33 anos, quando rezava o terço com um filho. Disse que os dois ficaram mudos de repente, e que neste momento avistou um pássaro cheio de luz, o que a deixou com medo. Desde então, assumiu a responsabilidade de benzer as pessoas. Não alongamos a conversa, pois vimos que dona Albertina estava exausta. Ficamos na promessa de voltar um dia para recebermos a bênção e batermos um papo.
Seguimos, então, para Luminárias, para onde fomos concluir a Expedição do Patrimônio Vivo. Acompanhe o último dia do projeto nesta terça-feira.

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Joana D'arc disse... 19 de julho de 2010 às 20:50

Parabéns a equipe CFVV, por esse trabalho maravilhoso, sou natural de Ribeirão Vermelho, moro em são José dos campos desde 1986, mas amo ribeirão Vermelho do fundo do meu ser.
obrigada por me trazer lembranças lindas.
Joana D'arc

 
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