Tomada de Decisão sobre Trens Urbanos e de Alta Velocidade
Qualquer pessoa normal recusaria a oferta de um vendedor para substituir seu computador com processador de texto e impressora a jato de tinta por uma máquina de datilografia. Mesmo se tratando do topo de linha, com esferas intercambiáveis para mudar a fonte e fita corretiva automática. Entretanto, há uns quinze anos atrás, quando o sistema operacional era o DOS, para um gerente interessado em modernizar seu escritório a decisão não era tão fácil. De um lado havia as máquinas de datilografia, inventadas em 1873, confiáveis, que evoluíram gradativamente, das mecânicas às elétricas. Do outro, na ocasião, várias versões de softwares processadores de textos, conflitantes entre si. A qualidade gráfica das barulhentas impressoras matriciais não era boa. Ficar com o passado ou acreditar no futuro, eis a questão.
O Governo, em todos seus níveis, está nesta incômoda posição com relação aos Trens de Alta Velocidade (TAV) e Veículos Leves sobre Trilhos (VLT). O velho sistema, baseado no atrito da roda de aço sobre o trilho, usado desde a primeira ferrovia de 1825 é uma tecnologia madura, capaz de operar com velocidades acima de 300 km/h, nas ligações intermunicipais e versões urbanas com bonito design. Por outro lado, começa a surgir um sistema novo, baseado em levitação magnética (Maglev), que apresenta vantagens, principalmente no que é mais caro numa obra de infra-estrutura, a engenharia civil, estão ainda na infância tecnológica. Que dilema para quem pretende ser um estadista! Continuar dando ouvido aos fornecedores tradicionais, aos técnicos do transporte sobre trilhos, aos consultores que se vendem atualizados ou pensar algo novo? Como ter a visão de futuro indispensável ao estadista?
Para ampliar e enriquecer a discussão sobre as alternativas de aplicação dos recursos públicos em sistemas urbanos e de alta velocidade modernos, um tema que interessa a todo contribuinte, alguns aspectos além da contabilidade devem ser considerados:
• Cada passageiro da ponte aérea Rio - São Paulo contribui, por sentido, com 98,08 kg de CO2 para o aquecimento global. O transporte aéreo é a modalidade que mais consome energia. O mesma trajeto feito de automóvel produziria 26,52 kg, de ônibus 13,72 kg. Porque nem toda energia elétrica é de origem hídrica, num TAV a produção seria 3,68 kg de CO2 e no Maglev 2,60 kg. Se andar de trem gerasse crédito de carbono, haveria uma razoável fonte de recursos disponível para financiar o setor.
• Trens são inquestionavelmente mais confortáveis, regulares e seguros. Quando bem operada, uma ferrovia é a modalidade de transporte mais competitiva para passageiros: reduz acidentes de trânsito e congestionamentos, diminui o tempo de viagem, economiza combustível, gera valorização imobiliária, aumenta a arrecadação de impostos, promove estruturação urbana e melhora a qualidade de vida do cidadão.
• Nas altas velocidades, a levitação eletromagnética possibilita reduções de custos em regiões montanhosas, porque o Maglev, graças ao motor linear, opera em rampas acima de 10% de inclinação, enquanto um TAV comercial está limitado a 2% de rampa. Do nível do mar no Rio até à cota 800 de São, um trem sobe bastante. Mas o Maglev, na descida, virá gerando energia elétrica de regeneração.
• Os TAV’s exigem uma manutenção primorosa e para alcançar a velocidade máxima o raio de curva deve ser acima de 2.000 m, mas no Maglev eletromagnético, o trem “abraça” a via e não descarrila. No Maglev urbano não há consumo de energia para manter a levitação vertical e a estabilidade horizontal. Deslocando-se sem atrito e capaz de se inscrever em curvas de 30 m de raio, insere-se facilmente no ambiente urbano e tem baixo custo de manutenção, sem motores, trilhos e rodas para desgastarem.
• A engenharia civil costuma representar mais de 60% dos gastos em novos sistemas ferroviários, podendo chegar a 80%. A nova tecnologia de levitação magnética supercondutora, adequada para velocidade urbana, permite a construção de linhas que custam 1/3 do total exigido pelos sistemas metroviários de mesma capacidade e ficam prontas em um prazo muito menor. Economiza recursos numa área onde o Brasil tem completo domínio tecnológico e exporta serviços: a engenharia civil.
Lendo nos jornais os bilhões necessários para investimento nos sistemas ferroviários da tecnologia tradicional, conclui-se que estamos em um país rico. Realmente, o país é rico, mas a população é pobre. O anônimo cidadão que paga seus impostos merece saber como se encontra o estado da arte na área de transportes guiados e deveria ter o direito de opinar sobre algo que será feito para o seu futuro.
Em primeiro lugar, não tem sentido pensar em um TAV interligando a estação de D. Pedro II (Central, no Rio) com a estação da Luz em São Paulo, quando os vetores da expansão urbana apontam em outras direções. Depois, varar a Serra do Mar de túneis para manter a declividade mínima, como fez Cristiano Otoni em 1860, quando existe atualmente engenharia capaz vencer rampas elevadas a céu aberto só tem justificativa porque o projetista ficou preso ao contato roda-trilho. É preciso quebrar velhos paradigmas e não ter medo do futuro – como não teve Cristiano na sua época.
Usando a comodidade da Internet e dispondo de uma base de dados técnicos própria, específica do pesquisador da levitação magnética, desenhei algumas alternativas de traçado que potencializa as vantagens da tecnologia, chegando a números interessantes, como ordem de grandeza: o Expresso Aeroporto em São Paulo e o TAV interligando as duas maiores capitais do país podem custar metade do que está saindo na imprensa, ficando pronta a ligação Rio-SP em no máximo seis anos, melhorando antes disso a mobilidade urbana nas duas cidades. Neste plano, a linha sairia da Barra da Tijuca até Volta Redonda, por um trajeto novo, simultaneamente de Guarulhos até São José dos Campos pela Variante do Parateí, encontrando os dois trechos em Aparecida do Norte. Esses pontos seriam as estações intermediárias.
Quando estes dois lotes de Maglev eletromagnético estivessem sendo inaugurados, já estariam pronto sistemas de levitação baseado em supercondutores. No Rio de Janeiro ligando o aeroporto Tom Jobim, UFRJ, estação Del Castilho do Metrô e da Supervia à Barra da Tijuca, aproveitando faixa de domínio da Linha Amarela, Avenida Aírton Sena e seguindo em via elevada pelo canteiro central da Avenida das Américas até seu final, nos limites do Parque Estadual da Pedra Branca, onde estaria o grande terminal do Maglev de alta velocidade. Em São Paulo o Terminal Rodoviário Tietê, seria interligado ao aeroporto de Cumbica por uma via elevada ao longo das margens do rio de mesmo nome. Por suas dimensões esbeltas, leveza, silêncio e baixo consumo de energia, o Maglev urbano pode aproveitar a infra-estrutura pública existente, valorizando com seu design os locais por onde passa. Ao longo da ligação aproveita áreas de propriedade do governo, com mínimo impacto ambiental, onde atualmente iniciativa privada opera por concessão: Nova Dutra na rodovia e MRS Logística na ferrovia.
Entre terminais tempo total de 93 minutos. Com velocidade média igual à do Maglev chinês em Xangai: Terminal Guarulhos-S.J.Campos 20 min; SJC-Aparecida 21 min; Aparecida-Volta Redonda 25 min e VR-Terminal da Barra da Tijuca 26 minutos.
Provavelmente, por terem ficando atados às limitações da velha tecnologia, quando existe uma nova (excessivamente nova, com detalhes restritos aos centros de pesquisas), os projetistas do Expresso Aeroporto e do TAV RJ-SP não perceberam que existe algo novo, capaz de permitir ao Brasil dar um salto tecnológico e queimar etapas.
Trocar informações é fundamental. Os projetos que foram pagos por recursos públicos deveriam estar disponíveis na Internet com todos seus detalhes. Por que esconder?
Eduardo Gonçalves David
Engenheiro, Doutor em Engenharia de Transportes.
egdavid@pet.coppe.ufrj.br
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