1. Introdução
Parece que o vapor estimula a imaginação. É possível imaginar esta cena: um fazendeiro de café do Vale do Paraíba, convidado pela administração da Estrada de Ferro D.Pedro II, que cortaria suas terras, para uma curta viagem na cabine de uma locomotiva a vapor, quando desce do trem e consulta seu relógio de bolso chega a conclusões interessantes:
Ao longo do tempo as locomotivas a vapor foram evoluindo, visando aumentar cada vez mais sua eficiência térmica como máquina com motor de combustão externa. O perfil leve e delgado das primeiras locomotivas foi sendo substituído gradativamente por equipamentos mais pesados e robustos.
Com o crescimento da demanda de transporte por ferrovia, os projetistas de locomotivas tiveram de criar várias soluções, considerando principalmente as limitações da via permanente, como a carga máxima por eixo e o gabarito dos cortes, edificações, túneis e pontes.
Para contornar os problemas de gabarito e aumentar ao mesmo tempo a potência, as caldeiras inicialmente localizadas entre as rodas foram posicionadas acima destas, o que obrigou a chaminé a reduzir sua altura. Com a necessidade de gerar mais calor a caldeira e a cabine passaram a se localizar após as rodas motrizes, exigindo a instalação do conjunto denominado jogo de arrasto. Portanto, mesmo as chamadas locomotivas de primeira geração, foram ficando cada vez maiores.
Precisando se tornarem cada vez mais potentes, a primeira solução foi distribuir seu peso por uma quantidade maior de eixos, visando manter a capacidade de aderência de acordo com a força transmitida pelo êmbolo. Como isto implicava em base rígida cada vez maior, que dificultava a inscrição nas curvas dos trechos de serra, a solução foi dividir a locomotiva em partes, criando-se as locomotivas articuladas.
A segunda geração de locomotivas ocorre com o advento do superaquecimento do vapor, conseguindo economia de no consumo de combustível e água, se comparado com uma de mesma potência trabalhando com vapor saturado. Estas locomotivas constituem a era de ouro do vapor e reinaram por mais de cinqüenta anos.
No final da era do vapor, em meados da década de 1950, surge a chamada terceira geração, com grande potência e desenho aerodinâmico, numa reação à tecnologia das locomotivas diesel-elétricas. Nos EUA foram fabricadas algumas locomotivas vapor-elétricas, com turbinas substituindo os êmbolos. Porém, problemas operacionais, limitações tecnológicas de 50 anos atrás e o baixo custo do óleo diesel estabeleceu a supremacia das locomotivas diesel-elétricas.
Voltar no tempo para conhecer a saga e saber como funciona este equipamento considerado uma obra de arte da engenharia mecânica, além de um passeio cultural pela história, deixa uma indagação tecnológica: existe futuro para a tração a vapor?
2. As Locomotivas Pioneiras
Quando em 1804 o inglês Richard Trevithick (1771-1833) pensou em usar a força do vapor ao invés da tração animal para rebocar carroças de vias férreas, aproveitou de imediato as soluções mecânicas das máquinas aperfeiçoadas pelo escocês James Watt (1736-1819).
Este cientista, que nomeia a unidade de potência elétrica e mecânica do Sistema Internacional (SI) e é considerado o pai da máquina a vapor, trabalhava na Universidade de Glasgow, construindo instrumentos científicos quando, durante a reparação de um modelo de máquina a vapor de Thomas Newcomen (1662-1729) percebeu que poderia resolver sua ineficiência. Patenteou em 1769 o dispositivo condensador de vapor em separado que, evita perda de energia por meio do resfriamento do cilindro e o êmbolo de dupla ação. Formou uma proveitosa sociedade com Matthew Boulton (1728-1809), industrial em Birmingham, que comprou sua patente em 1774, possibilitando o desenvolvimento de outras idéias e a melhora da máquina a vapor que recebeu seu nome, 75% mais potente que a de Newcomen e mais econômica no consumo de carvão, que se tornou fundamental para o sucesso da Revolução Industrial na Inglaterra e outros países europeus.
Trevithick era um hábil mecânico e havia trabalhado na empresa Bulton & Watt. Utilizou um êmbolo para acionar um volante de inércia vertical (flywheel) que através de várias engrenagens acionava rodas motrizes, de sua locomotiva de cinco toneladas que podia desenvolver uma velocidade de 5 km/h, quase a mesma velocidade de um homem caminhando e arrastar cinco vagões com 10 toneladas [1].
Embora como solução mecânica para manter o movimento circular do volante de inércia fosse vantajosa para a transmissão da força horizontal do êmbolo para a biela, produzia por outro lado, danos à via permanente, pela força de reação perpendicular ao plano de giro do volante de inércia. Esta reação ao movimento circular é a força vertical que mantém, por exemplo, um pião girando em equilíbrio em um plano horizontal ou mantém girando uma calota que saia da roda de um carro. Na posição vertical, a reação do giro do volante de inércia tendia fazer a locomotiva de Trevithick querer andar em linha reta. Os trilhos e a pregação frágeis não aguentavam, condenando o projeto ao fracasso.
Em 1808 este pioneiro da locomotiva a vapor já havia abandonado o volante de inércia e criado uma máquina mais versátil, que percorria em velocidade maior uma linha circular, com o sugestivo nome decatch-me-who-can ou “agarre-me se puder”, como uma atração de circo. Alugou uma área onde as pessoas pagavam entrada para ver o estranho equipamento, o primeiro cavalo a vapor. Iam apenas uma vez. Mal sucedido financeiramente pelos problemas decorrentes de utilizar processos já patenteados pelo seu antigo patrão [2], Trevithick morreu sem assistir o êxito de seu invento.
Apesar do insucesso, a idéia de Trevithick deu as bases para que outro inglês, George Stephenson (1781-1848) e seu filho Robert (1803-1859) fossem mais bem sucedidos, ao incorporarem vários aperfeiçoamentos de outras máquinas a vapor que se mantiveram durante toda a era do vapor nas ferrovias.
Dentre os aperfeiçoamentos incorporados por Stephenson podem ser citadas: a caldeira aquecida por tubos por onde fluíam os gases quentes aumentando a superfície aquecida em contato com a água (original de Marc Seguin); o sistema de tiragem forçada do vapor usado nos cilindros pela chaminé dianteira, criando uma zona de baixa pressão para sugar os gases ao longo da caldeira; o vagão tender de água e combustível separados do corpo da locomotiva; os comandos (barra de Johnson) que permite reverter facilmente o sentido de giro das rodas motrizes e até mesmo o próprio nome da máquina, componente principal do novo sistema de transporte que substituía o cavalo: a locomotiva.
Foi com uma máquina denominada Locomotion construída por Stephenson que em 27 de setembro de 1825 foi inaugurada a primeira ferrovia comercial do mundo, com 32 km ligando as localidades de Stockton e Darlington, na Inglaterra. Neste mesmo ano, menos meses depois, no dia 2 de dezembro nascia no Brasil, na Quinta da Boa Vista, o filho do Imperador Pedro I, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Habsburgo, o futuro Imperador Pedro II, que teria um formidável papel na implantação das ferrovias no Brasil.
[1] Chant, Christopher. The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 17.
[2] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, pp. 5-6.
Parece que o vapor estimula a imaginação. É possível imaginar esta cena: um fazendeiro de café do Vale do Paraíba, convidado pela administração da Estrada de Ferro D.Pedro II, que cortaria suas terras, para uma curta viagem na cabine de uma locomotiva a vapor, quando desce do trem e consulta seu relógio de bolso chega a conclusões interessantes:
- as várias tropas de mulas necessárias para transportar toda a carga rebocada pelo trem levariam um dia inteiro para percorrer a mesma distância feita em uma hora;
- seria preciso duas paradas para alimentação e descanso, enquanto a máquina consumiu apenas água e lenha – recursos que ele tinha com abundância;
- do maquinista exigia-se muito mais preparo e habilidade do que as de um tropeiro para conduzir suas mulas de carga, era mesmo um trabalho especializado e, por fim
- havia uma incrível semelhança entre os movimentos das alavancas da locomotiva com as do balancim de seu relógio que acabava de fechar.
Ao longo do tempo as locomotivas a vapor foram evoluindo, visando aumentar cada vez mais sua eficiência térmica como máquina com motor de combustão externa. O perfil leve e delgado das primeiras locomotivas foi sendo substituído gradativamente por equipamentos mais pesados e robustos.
Com o crescimento da demanda de transporte por ferrovia, os projetistas de locomotivas tiveram de criar várias soluções, considerando principalmente as limitações da via permanente, como a carga máxima por eixo e o gabarito dos cortes, edificações, túneis e pontes.
Para contornar os problemas de gabarito e aumentar ao mesmo tempo a potência, as caldeiras inicialmente localizadas entre as rodas foram posicionadas acima destas, o que obrigou a chaminé a reduzir sua altura. Com a necessidade de gerar mais calor a caldeira e a cabine passaram a se localizar após as rodas motrizes, exigindo a instalação do conjunto denominado jogo de arrasto. Portanto, mesmo as chamadas locomotivas de primeira geração, foram ficando cada vez maiores.
Precisando se tornarem cada vez mais potentes, a primeira solução foi distribuir seu peso por uma quantidade maior de eixos, visando manter a capacidade de aderência de acordo com a força transmitida pelo êmbolo. Como isto implicava em base rígida cada vez maior, que dificultava a inscrição nas curvas dos trechos de serra, a solução foi dividir a locomotiva em partes, criando-se as locomotivas articuladas.
A segunda geração de locomotivas ocorre com o advento do superaquecimento do vapor, conseguindo economia de no consumo de combustível e água, se comparado com uma de mesma potência trabalhando com vapor saturado. Estas locomotivas constituem a era de ouro do vapor e reinaram por mais de cinqüenta anos.
No final da era do vapor, em meados da década de 1950, surge a chamada terceira geração, com grande potência e desenho aerodinâmico, numa reação à tecnologia das locomotivas diesel-elétricas. Nos EUA foram fabricadas algumas locomotivas vapor-elétricas, com turbinas substituindo os êmbolos. Porém, problemas operacionais, limitações tecnológicas de 50 anos atrás e o baixo custo do óleo diesel estabeleceu a supremacia das locomotivas diesel-elétricas.
Voltar no tempo para conhecer a saga e saber como funciona este equipamento considerado uma obra de arte da engenharia mecânica, além de um passeio cultural pela história, deixa uma indagação tecnológica: existe futuro para a tração a vapor?
2. As Locomotivas Pioneiras
Quando em 1804 o inglês Richard Trevithick (1771-1833) pensou em usar a força do vapor ao invés da tração animal para rebocar carroças de vias férreas, aproveitou de imediato as soluções mecânicas das máquinas aperfeiçoadas pelo escocês James Watt (1736-1819).
Este cientista, que nomeia a unidade de potência elétrica e mecânica do Sistema Internacional (SI) e é considerado o pai da máquina a vapor, trabalhava na Universidade de Glasgow, construindo instrumentos científicos quando, durante a reparação de um modelo de máquina a vapor de Thomas Newcomen (1662-1729) percebeu que poderia resolver sua ineficiência. Patenteou em 1769 o dispositivo condensador de vapor em separado que, evita perda de energia por meio do resfriamento do cilindro e o êmbolo de dupla ação. Formou uma proveitosa sociedade com Matthew Boulton (1728-1809), industrial em Birmingham, que comprou sua patente em 1774, possibilitando o desenvolvimento de outras idéias e a melhora da máquina a vapor que recebeu seu nome, 75% mais potente que a de Newcomen e mais econômica no consumo de carvão, que se tornou fundamental para o sucesso da Revolução Industrial na Inglaterra e outros países europeus.
Trevithick era um hábil mecânico e havia trabalhado na empresa Bulton & Watt. Utilizou um êmbolo para acionar um volante de inércia vertical (flywheel) que através de várias engrenagens acionava rodas motrizes, de sua locomotiva de cinco toneladas que podia desenvolver uma velocidade de 5 km/h, quase a mesma velocidade de um homem caminhando e arrastar cinco vagões com 10 toneladas [1].
Embora como solução mecânica para manter o movimento circular do volante de inércia fosse vantajosa para a transmissão da força horizontal do êmbolo para a biela, produzia por outro lado, danos à via permanente, pela força de reação perpendicular ao plano de giro do volante de inércia. Esta reação ao movimento circular é a força vertical que mantém, por exemplo, um pião girando em equilíbrio em um plano horizontal ou mantém girando uma calota que saia da roda de um carro. Na posição vertical, a reação do giro do volante de inércia tendia fazer a locomotiva de Trevithick querer andar em linha reta. Os trilhos e a pregação frágeis não aguentavam, condenando o projeto ao fracasso.
Em 1808 este pioneiro da locomotiva a vapor já havia abandonado o volante de inércia e criado uma máquina mais versátil, que percorria em velocidade maior uma linha circular, com o sugestivo nome decatch-me-who-can ou “agarre-me se puder”, como uma atração de circo. Alugou uma área onde as pessoas pagavam entrada para ver o estranho equipamento, o primeiro cavalo a vapor. Iam apenas uma vez. Mal sucedido financeiramente pelos problemas decorrentes de utilizar processos já patenteados pelo seu antigo patrão [2], Trevithick morreu sem assistir o êxito de seu invento.
Apesar do insucesso, a idéia de Trevithick deu as bases para que outro inglês, George Stephenson (1781-1848) e seu filho Robert (1803-1859) fossem mais bem sucedidos, ao incorporarem vários aperfeiçoamentos de outras máquinas a vapor que se mantiveram durante toda a era do vapor nas ferrovias.
Dentre os aperfeiçoamentos incorporados por Stephenson podem ser citadas: a caldeira aquecida por tubos por onde fluíam os gases quentes aumentando a superfície aquecida em contato com a água (original de Marc Seguin); o sistema de tiragem forçada do vapor usado nos cilindros pela chaminé dianteira, criando uma zona de baixa pressão para sugar os gases ao longo da caldeira; o vagão tender de água e combustível separados do corpo da locomotiva; os comandos (barra de Johnson) que permite reverter facilmente o sentido de giro das rodas motrizes e até mesmo o próprio nome da máquina, componente principal do novo sistema de transporte que substituía o cavalo: a locomotiva.
Foi com uma máquina denominada Locomotion construída por Stephenson que em 27 de setembro de 1825 foi inaugurada a primeira ferrovia comercial do mundo, com 32 km ligando as localidades de Stockton e Darlington, na Inglaterra. Neste mesmo ano, menos meses depois, no dia 2 de dezembro nascia no Brasil, na Quinta da Boa Vista, o filho do Imperador Pedro I, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Habsburgo, o futuro Imperador Pedro II, que teria um formidável papel na implantação das ferrovias no Brasil.
[1] Chant, Christopher. The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 17.
[2] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, pp. 5-6.
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