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Title: A EVOLUÇÃO DA TRAÇÃO A VAPOR (continuação 2)
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6. O padrão americano nas locomotivas a vapor Como fabricantes de locomotivas os americanos foram insuperáveis, sendo o principal Mathias Wi...


6. O padrão americano nas locomotivas a vapor

Como fabricantes de locomotivas os americanos foram insuperáveis, sendo o principal Mathias Willian Baldwin (1795-1866), um relojoeiro na Filadélfia. Quando em 1831, após receber uma encomenda do Museu da Filadélfia para construção de uma miniatura de locomotiva, resolveu ingressar no novo mercado se tornou o maior fabricante todo o mundo, tendo a Baldwin Locomotive Work, fabricado em seus 130 anos mais de 60.000 locomotivas a vapor [11].

Em 1900, quando começou a chamada Era de Ouro da tração a vapor, que foi até 1950, a participação da Baldwin era de 61% no mercado ferroviário americano, 10% no mercado industrial como um todo e participava com 29% das exportações. Em 1914 a participação havia caído no mercado ferroviário para 50%, devido ao crescimento da ALCO (American Locomotive Corporation) 40% e LIMA (Lima Locomotive Works), 10% , porém até o final da era do vapor manteve uma linha de produção que exportava equipamentos para todo mundo [12].

Produção em série de locomotivas na Baldwin Locomotive Work, EUA

A locomotiva que sucedeu a American, que foi inclusive a primeira importada dos EUA para a EFDPII, foi a Mogul, que começou a ser fabricada pela Baldwin em 1847. Esta locomotiva tem um perfil semelhante ao da American, apenas com seis eixos, sendo três tratores ao invés dos dois e um rodeiro simples como guia, ao invés do truque. Era a locomotiva padrão da ferrovia construída pelo engenheiro Paulo de Frontin, como linha auxiliar da EFCB na virada do século XX, que vencia a Serra do Mar sem túneis.

Mogul fabricada pela Baldwin para operação na Linha Auxiliar

Apesar de fabricantes europeus serem também fornecedores de equipamento ferroviário para o Brasil, foi classificação numérica proposta em 1901 pelo engenheiro mecânico Frederick Methvan Whyte (1865-1941), que apesar de holandês de nascimento fez sua carreira nas ferrovias americanas, que prevaleceu sobre todas as outras. O sistema Whyte, descreve a locomotiva a vapor pelo número de rodas, segundo sua função, a partir da dianteira da locomotiva:

Jogo de guia, à frente da locomotiva, não fazendo esforço para movimentar o trem, possuindo diâmetro menor para se inscreverem mais facilmente nas curvas, servindo de guias para as demais. Também são chamadas rodas-piloto, ou rodas dianteiras. A justificativa física para seu menor diâmetro é a mesma que explica o insucesso do volante de inércia vertical na primeira locomotiva de Trevithick, o efeito giroscópio, uma reação à mudança de movimento de massas girantes. Esta técnica pode ser observada inda hoje, nos tratores agrícolas, com rodas menores na frente utilizadas para guiar as grandes rodas de tração. Foi o trator copiou as locomotivas, não o contrário. Nas locomotivas específicas para trens de carga existia um único rodeiro dianteiro, enquanto nas locomotivas para trens passageiros, que exigem maior velocidade usava-se um truque com dois rodeiros.

Rodas motrizes são as que recebem o movimento dos êmbolos. Elas suportam a maior parte do peso da locomotiva para aumentar o atrito (aderência) nos trilhos, fazendo com que a locomotiva se movimente. As rodas de grande diâmetro foram utilizadas em locomotivas para trens de passageiros, enquanto as locomotivas de trens de carga tinham metade desta dimensão e as locomotivas de manobra, de diâmetro ainda menor, não precisavam de jogo guia.

Jogo de arrasto, formado pelas rodas de trás, geralmente embaixo da cabine e/ou da fornalha. Não fazem esforço para movimentar o trem, limitando-se a ser arrastadas. Também são chamadas rodas portantes, pois dão suporte ao prolongamento posterior da locomotiva (fornalha e cabine).

Apesar de contar rodas ao invés de eixos, que seria mais óbvio, como adotado na França e parte da Europa continental, a classificação de Whyte (americana) é a mais conhecida, achando muitos que é única e correta, quando na verdade é menos lógica, pois prevê um número ímpar de rodas por locomotivas. Geralmente as locomotivas são referidas por tipo, muitas vezes um apelido, adotado como uma marca por vários fabricantes. Tem-se, portanto, tipo Texas fabricadas pela Baldwin Locomotive Work, como pela American Locomotive Co. (ALCO) e até por fabricantes europeus como a SKODA, da Tchecoslováquia.

As tabelas a seguir apresentam a classificação das locomotivas pela contagem das rodas (Whyte), por uma combinação de números e letras (alemã), posteriormente adotada nas diesel-elétricas, a que conta os eixos (francesa) e a designação por tipo das que foram mais comuns no Brasil, tanto as simples como as articuladas [13].

Tabela 1 – Classificação das Locomotivas Simples

Rodas Whyte Alemã Francesa Designação
●●●● 4-4-0 2 B 2 2 0 American
●●●● 2-6-0 1 C 1 3 0 Mogul
●●●●● 4-6-0 2 C 2 3 0 Tenwheeler
●●●●● 2-8-0 1 D 1 4 0 Consolidation
●●●●●● 4-8-0 2 E 2 5 0 Mastodon
●●●●● 2-6-2 1 C 1 1 3 1 Prairie
●●●●●● 2-8-2 1 D 1 1 4 1 Mikado
●●●●●●● 2-10-2 1 E 1 1 5 1 Santa Fé
●●●●●●●● 2-10-2 1 E 2 1 5 2 Texas
●●●●●● 4-6-2 2 C 1 2 3 1 Pacific
●●●●●●● 4-8-2 2 D 2 2 4 2 Mountain
●● 0-4-0 B 0 2 0 Forwheel (manobra)
●●● 0-6-0 C 0 3 0 Sixwheel (manobra)
●●●● 0-8-0 D 0 4 0 Eightwheel (manobra)

Tabela 2 – Classificação das Locomotivas Articuladas

Rodas Whyte Alemã Francesa Designação
●●●●+●●●● 2-6-0+0-6-2 1 C C 1 2 3 0 – 0 3 2 Mallett
●●●●●+●●●●● 2-8-0+0-8-2 1 D D 1 1 4 0 – 0 4 1 Mallett
●●●●●+●●●●● 4-8-2+2-8-4 2 B 1 1 B 2 2 4 1 – 1 4 2 Garratt

A maior parte das locomotivas em operação no Brasil era de procedência americana, devido à maior robustez e boa adaptação às condições de via permanente precárias por falta de recursos para manutenção. As européias eram mais refinadas tecnicamente, especialmente as alemãs reconhecidas por suas caldeiras excelentes, porém frágil conjunto de “movimento” (estrados, rodas e braçagens) [14].

Em 1952 o Instituto Ferroviário de Pesquisas Econômicas tabelou 2.772 das 3.132 locomotivas a vapor existentes nas ferrovias brasileiras que poderiam ser recuperadas [15]. Mas não houve recuperação alguma, rapidamente a frota de locomotivas a vapor perdeu o significado.

Tabela 3 – Quantidade de Locomotivas no Brasil em 1952

White Designação Quantidade
4-6-0 Tenwheeler 730
2-8-0 Consolidation 690
2-8-2 Mikado 469
2-6-0 Mogul 390
4-6-2 Pacific 290
4-4-0 American 202
4-8-2 Mountain 124
2-3+3-2 Mallett (articulada) 111
2-2+2-2 Garratt (articulada) 48
TOTAL 2.722


Tabela 4 – Participação da Frota de Locomotivas no Brasil por Tipo

ANO Vapor Diesel-Elétrica Elétrica
1948 70,7% 7,4% 21,9%
1952 59,9% 14,9% 25,2%
1958 29% 48% 23%

Em 1952 o presidente Getúlio Vargas enviou projeto ao congresso de criação da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), por sugestão da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, grupo de trabalho que antecedia aos pedidos de financiamento.

Em 1958, quando foi instalada a RFFSA, a nova empresa herdou das 22 ferrovias estatais que foi sua origem, um parque de tração composto de 2 mil locomotivas a vapor e 475 diesel-elétricas, correspondente a 78% e 19% da frota, que entretanto, respondiam respectivamente por 20% e 48% da produção de transporte em tonelada-quilômetro. O crescimento do transporte de carga desde então até a “privatização” da RFFSA em 1996 foi multiplicado por dez, enquanto o de passageiros de interior praticamente acabou [16]. O crescimento do transporte de cargas foi todo apoiado nas diesel-elétricas, também de procedência americana.

Tabela 5 – Evolução do transporte na malha da RFFSA (1957-2005)

ANO Mil Passageiros Interior Milhões de TKU
1957 54.551 5.424
1964 63.872 8.093
1970 33.831 12.056
1980 13.799 33.223
1995 1.161 36.388
2005 - 56.613


7. Locomotivas a vapor mais utilizadas nas ferrovias brasileiras

As Americans foram utilizadas no Brasil até mesmo em operação rotineira, como na Estrada de Ferro Leopoldina (EFL) na década de 1950 [17], quando os americanos já estavam na 3ª. geração da tração a vapor.


A Tenwheeler, com truque guia, era a locomotiva mais comum quando a RFFSA foi criada. Era boa para trens de passageiros (transporte prioritário na época do monopólio das ferrovias) e com rodas motrizes de pequenas dimensões, possuía também esforço trator necessário para os trens de carga.
4-6-0 tipo Tenwheeer a mais comum, projeto original de 1847.

O segundo maior grupo era o das Consolidation. Na EFCB a série 700, da ALCO recebidas entre 1916 e 1920, foram apelidadas “camelo”, devido à caldeira com dois domos. Tinham uma ótima reputação de confiabilidade e desempenho sendo responsáveis, juntamente com as da série 600, por mais de 60% de todos os trens de carga até o início da era diesel [14].


2-8-0 tipo Consolidation projeto original de 1866

Outro modelo popular eram as Mikado, cuja designação decorre da exportação pela Baldwin deste modelo para o Japão, em 1906, quando ainda estava na lembrança uma ópera cômica estreada em 1885 chamada The Mikado de inspiração japonesa [18].


2-8-0 tipo Mikado ultrapassando uma Pacific [14]

Alguns autores consideram que as Pacifics foram as verdadeiras rainhas da época de ouro do vapor, pelo menos nos EUA, por terem sido projetadas com truque guia para tracionar trens de passageiros com velocidade de cruzeiro de 60 mph (96,5 km/h). A maioria dos modelos possuía rodas com mais de 1,70m de diâmetro.


4-6-2 tipo Pacific de grande porte da EFCB [14]

No Brasil as maiores locomotivas para serviços pesados foram as articuladas. A Mallett deve seu nome ao projetista suíço Anatole Mallett (1837-1919), que em 1874 patenteou este tipo de locomotiva. A primeira Mallett americana foi produzida em 1903 pela ALCO. Foram locomotivas que se adaptaram bem às difíceis exigências da Serra do Mar, com vários túneis úmidos, onde outras locomotivas perdiam aderência.

Mallett a locomotiva que vencia a Serra do Mar

Outra locomotiva articulada importada pelo Brasil para trabalhar na Great Western of Brazil, no Recife, foi o modelo Garratt 2-8-2+2-8-4, fabricado pela Henshel & South da Alemanha em 1952. Tratava-se de um projeto inusitado, comparando com os modelos ferroviários tradicionais, patenteada pelo engenheiro inglês Herbert William Garratt (1864-1913), podendo ser descrita, de forma expedita, como a um conjunto gerador de energia caldeira (fornalha + caldeira) apoiado entre dois tender dotados de conjuntos de movimentação (cilindros + braçagens + rodeiras motrizes).

Mallett pronta para subir de recuo a Serra do Mar por causa da fumaça nos túneis [14]

Apesar dos dias gloriosos as Malletts foram protagonistas de uma imagem que fica para sempre guardada na história ferroviária brasileira, quando num flagrante triste, apagadas, seguem para o cortadas e vendidas como sucata, num dos chamados Trem da Morte, numa fotografia do engenheiro J. A. D’Araújo Pessoa de 1952, quando passava pela estação de Três Rios. É uma dramática imagem do encerramento abrupto da era do vapor no Brasil, quando não se teve o cuidado em preservar pelo menos um exemplar de cada modelo para fins históricos, como bem assinalou outros autores da história do vapor nas ferrovias brasileiras [14].

Cinco Malletts sendo rebocadas para o corte no maçarico em 1952

Na última aquisição de locomotiva a vapor pela EFCB a concorrência dava alternativa para locomotivas diesel-elétrica. Com os principais fabricantes envolvidos na II Guerra Mundial, acabou-se recebendo as excelentes Texas série 1651 a 1657 de bitola métrica, para trabalharem no difícil traçado do Ramal de Nova Era. Eram locomotivas que possuíam sistema de rosca sem fim, denominado stoker, para transferência do carvão do tender para a fornalha, aliviando o trabalho do foguista [14].

2-10-4 tipo Texas sobreviventes quando transferidas para EFTC

Estas locomotivas foram posteriormente transferidas para a Estrada de Ferro D. Tereza Cristina, em Santa Catarina, que foi a última divisão da RFFSA a abandonar a tração a vapor, no fim dos anos 1980, já que nesta ferrovia destinada prioritariamente ao transporte de carvão mineral, o combustível era fornecido em condições vantajosas de preço. O que realmente contribuiu para a dieselização da EFTC foi o custo de manutenção e as precárias condições de fornecimento de peças sobressalentes, já que foi uma das últimas ferrovias em todo mundo a operar comercialmente com tração a vapor.
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Referências Bibliográficas:
[10] David, Eduardo Gonçalves A ferrovia e sua história. Edição AENFER-AMUTREM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1998, p. 75.
[11] Chant, Christopher The world’s railroads. Chartwell Books Inc. Edison, NJ, USA, 2002, p. 79.
[12] Lamb, J. Paker Perfecting the American steam locomotive. Indiana University Press, Bloomington, Indiana, USA, 2003, p. 14.
[13] Amaral, Áttila do Manual de engenharia ferroviária. Editora Globo. Porto Alegre, RS, 1957, pp. 416-418.
[14] Coelho, Eduardo J.J. & Setti, João Bosco. A era diesel na estrada de ferro central do Brasil. Coleção AENFER, Rio de Janeiro, RJ, 1993, pp. 3-12.

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RANDOLFO CARLOS disse... 20 de março de 2016 às 19:17

É muito triste ver o fim da hera a vapor no Brasil.

 
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