14/05/2012 - Jornal da Unicamp
*Cristina de Campos
As primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jundiaí, estimulou a formação de outras empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo.
Muitos autores que estudaram as ferrovias paulistas são unânimes em afirmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Província. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café.
Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste final de século que o bom resultado obtido pelo café nos mercados internacionais estimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nativas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas.
Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apurado, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são denominadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto1, como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações.
As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o final da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro continuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da capital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê.
Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que finalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista.
O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro levantamento da linha. À frente da expedição estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profissionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada.
O relatório conclusivo deste levantamento foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não significou o final do projeto da estrada estratégica. A concessão foi repassada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra proposta de traçado, tendo como ponto de partida a cidade de Bauru, no interior paulista.
É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo solicitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fizeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista.
A abertura das linhas estratégicas descortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela ferrovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista.
1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografia Vanorden, 1903.
*Cristina de Campos é professora colaboradora junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
*Cristina de Campos
As primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jundiaí, estimulou a formação de outras empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo.
Muitos autores que estudaram as ferrovias paulistas são unânimes em afirmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Província. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café.
Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste final de século que o bom resultado obtido pelo café nos mercados internacionais estimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nativas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas.
Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apurado, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são denominadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto1, como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações.
As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o final da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro continuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da capital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê.
Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que finalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista.
O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro levantamento da linha. À frente da expedição estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profissionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada.
O relatório conclusivo deste levantamento foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não significou o final do projeto da estrada estratégica. A concessão foi repassada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra proposta de traçado, tendo como ponto de partida a cidade de Bauru, no interior paulista.
É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo solicitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fizeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista.
A abertura das linhas estratégicas descortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela ferrovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista.
1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografia Vanorden, 1903.
*Cristina de Campos é professora colaboradora junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
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