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Title: Por Míriam Leitão em O Globo: Erros caros
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16/02/2011 - O Globo - Opinião *Míriam Leitão é jornalista e colunista do Jornal O Globo do Rio de Janeiro. Com um belo monte ...
16/02/2011 - O Globo - Opinião

*Míriam Leitão é jornalista e colunista do Jornal O Globo do Rio de Janeiro.

Com um belo monte de equívocos, o Brasil está entrando num trem-bala para duas encrencas. As duas maiores obras são buracos sem fundo do ponto de vista fiscal, e quanto mais afundam, mais o governo se envolve. A Bertin, que é uma das empresas de Belo Monte, está em crise financeira; o governo tenta pôr os Correios para turbinar o trem-bala. Os dois projetos têm isso em comum: estão errados.

Há montes de argumentos contra as duas obras. A ferrovia é o caminho certo para o Brasil, mas o trem-bala consumirá dinheiro demais, impedindo inclusive o progresso ferroviário inadiável do país. Energia limpa é o caminho certo para o Brasil, mas a hidrelétrica de Belo Monte vai consumir dinheiro demais numa obra cujo projeto não foi avaliado adequadamente do ponto de vista econômico, fiscal, ambiental e climático. Confesso não entender por que um país com poucos recursos para investir escolhe dois projetos faraônicos num tempo em que há tanto a fazer.

O custo do trem-bala já foi revisto três vezes e está agora em R$35 bi. Ninguém do setor realmente acredita que ficará nisso. Pode ser muito mais, até porque no trem-bala 50% do projeto são túneis e pontes. Mas imaginemos que seja este o preço final. De acordo com o diretor-executivo da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF), Rodrigo Vilaça, se em vez de trem-bala fosse feito um trem de alta velocidade convencional, que levasse três horas o trajeto, ao invés de uma hora, o custo seria reduzido a um terço:

- Quanto mais rápido andar o trem, menor capacidade terá de fazer curvas. O trajeto precisa ser praticamente em linha reta, o que encarece a obra pela geografia montanhosa da região.

O especialista em logística Paulo Fernando Fleury concorda. Acha que o Brasil tem inúmeros bons e necessários projetos na área ferroviária, com custos individuais em torno de R$4 bi a R$5 bi. É uma diferença descomunal com o custo do trem-bala. Fleury também considera que a entrada dos Correios não resolve o problema:

- O projeto é de um trem de passageiros. Como será feito o embarque e desembarque dos malotes e cargas dos Correios? Os passageiros vão ficar esperando o trem carregar e descarregar?

A entrada dos Correios no trem-bala tem mais a ver com o mesmo defeito que há em Belo Monte: pôr mais e mais governo através de estatais, para assim dar conforto aos investidores e fazer com que eles se animem. Mesmo assim, o leilão foi adiado para 29 de abril e ainda não há certeza de que haverá mais de um consórcio.

A ANTF estima que a economia brasileira demande, hoje, 50 mil quilômetros de ferrovias. Temos 28 mil. Nem quando todos os projetos previstos pelo Governo Federal saírem do papel, em 2023, chegaremos a esse número. O trem-bala vai consumir sozinho metade de que será investido no setor nos próximos anos. Ou seja, há uma clara distorção de prioridades, num contexto de urgência para ampliação da rede. Para se ter uma ideia, o crescimento do volume transportado em 2010 chegou a 19,1%: 471,1 milhões de toneladas de carga, contra 395,5 milhões em 2009. A maior parte disso são commodities que o Brasil exporta: minério de ferro, soja, milho, petroquímicos, mas também produtos para construção civil, impulsionados pelo crescimento da economia.

As ferrovias correspondem a apenas 25% de nossa matriz de transporte. O trem-bala não mudará isso porque fará transporte apenas de passageiros, e a uma distância curta, de cerca de 500 quilômetros, ligando Rio, São Paulo e Campinas. A discrepância com outros países de dimensão continental é enorme. A Rússia tem 81% de sua matriz em ferrovias. O Canadá, 46%; Austrália, 43%; EUA, 43%; e China, 37%. Estamos na lanterna e atrasados. Para piorar, 80% da malha ferroviária nacional têm mais de um século, segundo a ANTF.

O Valor Econômico trouxe na segunda-feira a assustadora notícia de que a Bertin está inadimplente em R$450 milhões em garantias que tinha que depositar, porque vários empreendimentos nos quais entrou estão atrasados. O grupo criava boi. Passou de uma hora para outra ao setor de infraestrutura e assumiu proporções gigantes, empurrado pelas licitações que ganhou para construir termelétricas e rodovias. E esse é o grupo-chave do consórcio que ganhou a licitação para construir Belo Monte. As garantias que tem que depositar são de nove termelétricas atrasadas. Segundo reportagem de Josette Goulart, do Valor, algumas medidas para contornar o problema do atraso no depósito de garantias estão sendo estudadas pela empresa e órgãos governamentais. O que têm órgãos governamentais com a dificuldade de uma empresa privada? Pode ter certeza que o final da história será mais subsídio e ajuda do governo, além do que o grupo já recebeu. No mercado, comenta-se que o BNDES procura comprador para o grupo Bertin para sair da encalacrada que o governo entrou ao organizar o consórcio na véspera do leilão de Belo Monte.

O trem-bala tem um belo monte de subsídios: R$20 bilhões de empréstimos do BNDES a juros baixos, de R$5 bilhões de doação do governo para o caso de o movimento de passageiros não ser o que foi projetado, e o Tesouro é que vai dar garantia para o empréstimo do BNDES. O governo também criará uma estatal, ao custo de R$3,4 bilhões, a Etav, Empresa do Trem de Alta Velocidade. O consultor Marcos Mendes, do Centro de Estudos do Senado, que fez o estudo mostrando todos esses subsídios embutidos, disse à imprensa que o governo é que está bancando esse projeto bilionário sem estudar os benefícios.

Os riscos são enormes nos dois projetos. No DNA de ambos, há a mesma insensata teimosia, a mesma derrama de dinheiro público, o mesmo voluntarismo estatizante. O Brasil precisa de energia renovável e de mais ferrovias, mas resolveu apostar as suas fichas nos projetos errados e caros. Onde o governo está com a cabeça?

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