24/02/2011 - Jornal do Commercio/PE       
A proposta de implantação de um sistema de monotrilho ou  monorail em alguns dos futuros corredores exclusivos de transporte  público da Região Metropolitana do Recife, em elaboração desde o fim do  ano passado a pedido do governo do Estado, já nasce sendo alvo de  contestação. O uso do modelo, cuja concepção prevê um veículo montado ou  pendurado sobre um único trilho, elevado por colunas de concreto, não  agrada aos técnicos do setor em Pernambuco, gente que conhece o sistema  de transporte do Grande Recife. A rejeição não é à tecnologia. mas ao  fato de ela não ser ideal para a realidade da região.
O Jornal do Commercio ouviu três dos melhores técnicos do Estado,  conhecidos nacionalmente: Germano Travassos, consultor, Osvaldo Lima  Neto, doutor em transporte e professor da UFPE, e César Cavalcanti,  vice-presidente nacional da Associação Nacional de Transportes Públicos  (ANTP) e também professor da UFPE. Todos foram unânimes em afirmar que o  monotrilho não é o modelo mais recomendado para o transporte de massa. É  mais utilizado em operações turísticas. Além disso, custaria pelo menos  quatro vezes mais do que o Bus Rapid Transit (BRT), adotado pela cidade  de Curitiba (PR) há mais de 30 anos e que estava praticamente certo  para ser implantado no Recife.
Na visão técnica, o monotrilho teria, no máximo, o mesmo resultado do  sistema de ônibus, só que custaria mais e levaria um tempo maior para  ser implantado. “O sistema de monorail tem suas vantagens, sem dúvida,  mas além de não existirem muitos exemplos do seu uso para transportar  altas demandas de passageiros, possui um grau de sofisticação muito fora  da nossa realidade. Não conseguimos sequer pintar faixas de ônibus nas  vias, imagine implantar um sistema caríssimo. Tudo nele custa mais do  que no sistema de ônibus. O operador de um monotrilho será mais caro que  o motorista de ônibus convencional, o custo de operação também. E uma  tarifa de R$ 2 não cobriria esse valor”, alerta César Cavalcanti.
Mesmo ressaltando não conhecer o projeto desenvolvido pela Odebrecht e  não ser contra a tecnologia do monorail, Germano Travassos pondera que o  sistema de um único trilho não tem a flexibilidade e maleabilidade do  ônibus, tão necessárias à rede do Grande Recife. “Ele funciona melhor  com demandas constantes, que não oscilam em horários de pico e em  estações distantes uma das outras. Na verdade, é preciso fazer um estudo  da rede e, a partir dele, ver qual tipo é mais adequado. Mas aqui isso  não acontece. Pegam um modelo usado em outro lugar e simplesmente acham  que funciona do mesmo jeito. Ele tem que se adequar a uma demanda  existente, afinal, não estamos falando de uma cidade nova, mas de uma  que já existe”, defende.
Osvaldo Lima Neto vai além e adverte que a tentação que o governo do  Estado enfrenta agora poderá custar caro mais na frente. “Enquanto se  gasta de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões para fazer um quilômetro de BRT,  são necessários de US$ 50 milhões a US$ 80 milhões para o mesmo trecho  de monotrilho. É algo surreal, muito caro. Se o governador optar por  ele, será uma escolha muito arriscada”, diz. “Que países como França e  Inglaterra usem o monotrilho, tudo bem. Eles não têm favela e o teto das  unidades de saúde não está ameaçando desabar. Nós não. Precisamos ter  um bom resultado com o menor custo. E isso é possível com um sistema  eficiente de ônibus. Veja o Transmilênio, de Bogotá, Colômbia. É modelo  para todo o mundo e é operado por ônibus”, conclui César Cavalcanti.
A proposta, definida como um estudo de mobilidade para a cidade  visando a Copa de 2014, vem sendo tratada em segredo pelo governo do  Estado e pela Construtora Odebrecht, autora da ideia. Ao ser procurado  pelo JC, o Grande Recife Consórcio de Transporte, gestor do sistema e  quem estava à frente dos projetos de BRT, jogou a responsabilidade para a  Secretaria das Cidades.
O secretário Danilo Cabral, por sua vez, silenciou. A assessoria de  imprensa do gestor sequer deu retorno ao ser procurada pelo JC. Sabe-se,  apenas, que o projeto será submetido à decisão final do governador  Eduardo Campos, o que está previsto para acontecer na próxima semana. A  Odebrecht também não se pronunciou. Alegou não ter autorização do  governo para falar. O que se sabe é que o modelo de monotrilho poderá  substituir os projetos previstos para o Corredor Norte-Sul - que ligaria  os extremos do Grande Recife pela Avenida Agamenon Magalhães - a  Avenida Norte e o Corredor Leste-Oeste. O uso neste último, entretanto,  já estaria descartado por não ser viável.
É caro para construir, mais ainda para manter
Além de não ser adequado para o transporte de massa, o monotrilho tem  de outro problema, segundo os especialistas: sustentabilidade  financeira. O sistema é caro para fazer e oneroso para manter. “As  pessoas acham que uma tecnologia é sustentável apenas pelo aspecto  ambiental. Mas é preciso considerar a manutenção do modelo depois de  pronto”, argumenta o presidente do Centro de Transporte Sustentável do  Brasil (CTS), Luis Antonio Lindau.
Ele defende, inclusive, que é preciso fazer uso mais nobre da  superfície, abrindo espaço entre os carros para o ônibus, no lugar de  pensar em elevados. “O sistema BRT, criado em Curitiba, é modelo para o  mundo todo, menos para o Brasil. Custa 20 vezes menos que o metrô, mas  para nós, brasileiros, não serve”, critica Lindau.
O alto custo de manutenção é um dos motivos pelos quais o monotrilho  não vingou em outros lugares do País, como São Paulo e Manaus (AM). Até  mesmo em nações desenvolvidas ficou difícil manter o sistema. É o caso  de Las Vegas (EUA) e Dubai (Emirados Árabes), cuja demanda não compensou  o alto investimento. Em Dubai, uma linha de 54 quilômetros custou US$  7,6 bilhões e deveria transportar 1,2 milhão de pessoas por dia, mas só  conseguiu demanda de 66 mil passageiros.
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