14/10/2012 - O Globo
Enquanto o Brasil gosta de se vangloriar que possui uma matriz
energética limpa e eficiente, o País convive com uma matriz logística
suja e cara, que reduz diretamente a competitividade. Isso é visto na
excessiva dependência de rodovias, burocracia nos portos, infraestrutura
deficiente nos aeroportos.
Se a eficiência americana nos transportes
fosse replicada no Brasil, dizem os especialistas, a redução nos custos
de transporte seria de R$ 90 bilhões por ano.
Aqui, 65,6% da matriz é de estradas. As ferrovias respondem por
19,5%, seguidas por 11,4% do modal aquaviário e 3,5% do dutoviário. O
transporte aéreo representa pífio 0,1%. Com esse desenho, o custo
logístico no País era de 10,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011,
segundo levantamento feito a cada dois anos pelo Instituto de Logística e
Supply Chain (Ilos). Nos EUA, o porcentual era de 7,7% do PIB.
Nos EUA, as rodovias respondem por 38% da matriz de transporte,
seguidas pelas ferrovias (28,7%). A parcela do transporte aquaviário é
igual à brasileira, mas o modal dutoviário tem uma fatia bem maior:
21,5%. "Além da herança JK (ex-presidente Juscelino Kubitschek, que
estimulou a malha rodoviária ao incentivar a indústria automotiva), essa
matriz é resultado do baixo investimento em transporte nas últimas
décadas. Você consegue ter mais veículos circulando numa estrada do que o
número que ela comporta. Mas não consegue o mesmo num aeroporto. Como o
Brasil não investia na expansão da infraestrutura de transporte, aquele
modal que era mais elástico acabou sobressaindo", explicou Maurício
Lima, do Ilos.
Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, acredita que os problemas de
logística já têm um impacto maior do que imaginamos. Ele acredita que
isso – aliado à crise financeira global – contribui para o fato de o
Brasil não conseguir, nos últimos anos, combinar dois anos seguidos de
forte crescimento econômico, na faixa de 4%.
Cabral afirma que os problemas hoje vão além da infraestrutura de
transporte e chegam a outros pontos, como a falta de armazéns. "O Brasil
não participa da formação do preço de grande parte dos produtos
agropecuários que é relevante porque não temos armazéns, precisamos
produzir e enviar logo ao exterior. A nossa capacidade de guardar grãos,
por exemplo, é um quarto da capacidade dos Estados Unidos. Poderíamos
ter um papel mas relevante nesses preços", afirma Resende.
Remendos. Ele acredita que o sistema logístico cria problemas em
cadeias e as soluções apresentadas muitas vezes são remendos, o que
piora todo o cenário. Mas, para ele, desta vez, a equipe do governo
começou a enxergar o setor com a visão da logística integrada. "Hoje em
dia, apenas duas empresas têm essa visão integrada de logística do
Brasil: a Vale e a Petrobrás, e não é por acaso que as duas são as
maiores empresas do País.
No ranking de desempenho logístico elaborado pelo Banco Mundial em
2012, o País ocupa a 45.ª posição, atrás de nações ricas como Alemanha
(4.ª) e EUA (9.ª) e de emergentes como África do Sul (23.ª) e China
(26.ª). O ranking, que reúne 155 países, considera itens como
infraestrutura de transporte e procedimentos alfandegários. Considerando
este último critério isoladamente, o Brasil desaba para 78.º lugar.
Custos. A inadequação da matriz de transporte brasileira também é uma
das razões para seu baixo desempenho em relação a outras nações da
lista e a principal causa do custo logístico elevado. Bruno Lima Rocha,
presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima
(Syndarma), afirma que, além dos problemas de obras em si, os setores de
portos e cabotagem sofrem com regulamentação excessiva e burocracia.
"Durante a greve dos funcionários da Anvisa, uma embarcação ficou sete
dias em Salvador esperando fiscais. O empresário que vive isso nunca
mais usa a cabotagem, apesar de ser mais barata. Usa o caminhão, que não
passa por fiscalização alguma. Se tivéssemos as mesmas normas que valem
para os caminhões, ganharíamos mercado e o País seria beneficiado com
custos menores, haveria menos acidentes nas estradas e menos emissão de
gases poluentes."
Rocha afirma que a cabotagem poderia ser muito desenvolvida e lembra
que o objetivo do governo, previsto no Plano Nacional de Logística e
Transporte (PNLT) – estabelecendo que em 2025 o transporte marítimo
represente 29% da carga transportada do País, contra os 12% atuais – é
factível. "O setor é o mais eficiente do mundo, somente precisamos ter
condições. Hoje, esse tipo de transporte só é utilizado de forma
relevante por granéis líquidos, graças a Petrobrás, e por minérios, por
causa da Vale", lembra.
Desperdício. Cleber Cordeiro Lucas, presidente da Associação
Brasileira dos Armadores de Cabotagem, afirma que o País ignora que
possui o meio mais eficiente de transporte tendo quase 8 mil quilômetros
de costa. "Temos uma ‘BR’, uma rodovia de altíssima capacidade e uma
ferrovia que liga os principais pontos, onde está 70% do PIB brasileiro,
praticamente sem uso", disse.
Em sua opinião, os entraves burocráticos que afetam o segmento, além
dos problemas de infraestrutura, são fatais para as empresas de
cabotagem. "Se um navio que vai para a China perde um dia em um porto
brasileiro é algo terrível, mas esse navio consegue recuperar parte
desse tempo no caminho até a Ásia. Mas se um navio de cabotagem perde um
dia é fatal, ele perde toda a sua agenda, toda a sua escala, não cumpre
nenhum prazo e fica sem clientes."
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