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Title: O trem, esse esquecido...
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23/10/2012 - Folha de S. Paulo *Anna Veronica Mautner É bem verdade que nem todo mundo quer porque quer conhecer todas as distâncias do m...
23/10/2012 - Folha de S. Paulo

*Anna Veronica Mautner

É bem verdade que nem todo mundo quer porque quer conhecer todas as distâncias do mundo. Uns encontram riqueza pertinho de si mesmos. Mas o planeta é grande, as distâncias podem ser imensas e a nossa curiosidade também não tem limite.

As primeiras grandes distâncias foram vencidas por trens, que, até hoje, para mim, são o melhor jeito de ver a Terra. Não quero falar do avião porque voa longe e depressa demais. Perdemos o contato.

Por que gosto de trem? Porque é a melhor invenção do mundo: só tem vantagens e quase nenhum defeito.

Tem espaço como um avião (com a vantagem de estar no chão), é confortável (podemos ir pelo corredor de um vagão a outro e esticar a perna sem atrapalhar ninguém) e é altamente previsível. Além de ter um caminho exclusivo, só para em locais previstos.

O ônibus, esse coitado, depende da quantidade de veículos em movimento, de obstáculos que podem aparecer pela frente, do estado do asfalto. Já o avião depende muito do clima.

O trem nos isola do mundo, nos colocando ao mesmo tempo dentro e fora dele. Fiz duas viagens de trem inesquecíveis. Uma, de Chicago a Los Angeles, atravessando desertos e pradarias, vendo sol e lua nascendo e se pondo nas janelas. Fiz também a Transiberiana (de Moscou a Ulan Bator, na Mongólia). Dias e dias deixando o mundo pra trás. Por que tomar um avião para ir à Mongólia se 30 horas a mais podem nos dar de presente a vista dos prados da Sibéria? Por que atravessar os Estados Unidos de avião sem ver as pradarias, sem ver de longe o Colorado e suas montanhas?

Nosso planeta merece ser visto de perto. Em cada estação de trem, vendedores de comida chegam às janelas com guloseimas diferentes das oferecidas há cinco horas. E, na próxima estação, as frutas já serão outras de novo, as roupas e o tipo étnico dos vendedores, também. E a gente vai passando a limpo regiões do mundo.

Ir de trem de Budapeste a Gênova faz o passageiro atravessar pelo menos quatro tipos de povoamentos diferentes.

Nós aqui, na América do Sul, temos o chamado "trem da morte". Era a viagem de libertação, o rito de passagem da vida do jovem estudante inteligente do século passado. Tinha um trem de batismo que ia de Bauru a Corumbá e Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Depois de passar por essa experiência, o jovem virava adulto.

Por que ir de avião em poucas horas se em dois dias de puro deleite o trem nos leva ao mesmo lugar? Por que será que andar de trem saiu de moda? Que pena!

*Anna Veronica Mautner psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (Ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Ed. Summus). Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa do caderno "Equilíbrio".

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